Título: Estratégia de supermercado
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 22/10/2009, Política, p. 4

A divisão interna deu lugar ao constrangimento externo. E como, um ano depois, a crise parece estar no fim, com a volta do crescimento virá também mais desmatamento, e haverá mais pressões

A política ambiental-agrícola do governo Luiz Inácio Lula da Silva é um frankenstein, um monstrengo. Não chega a resultar de algo calculado: antes, reflete as oscilações na posição da administração ao longo destes quase sete anos.

Desde que chegou ao Palácio do Planalto, o PT tem sido a favor dos organismos geneticamente modificados (transgênicos), mas também é contra. Apresentou o etanol de cana como a grande contribuição verde-amarela contra o aquecimento global, mas diz também que o futuro da nacionalidade repousa na exploração do petróleo do pré-sal, um combustível potencialmente recordista na emissão de CO2. E por aí vai. Essa ¿estratégia de supermercado¿ (a cada situação, você vai à gôndola e pega o produto, ou a explicação, que mais lhe convém) tem seus motivos.

O PT nasceu e cresceu dando gás a correntes políticas e sociais ideologicamente portadoras de uma visão que, na falta de algo melhor, chamamos de ¿ambientalista¿. Uma turma que lhe trouxe belo capital político na oposição. Capital usado para alcançar o poder.

Uma vez lá, era necessário governar. E, como não havia condições políticas (nem vontade única) de implementar o projeto original, a administração transformou-se numa zona de conflito. Até o dia em que a Marina Silva decidiu que era hora de sair do Ministério do Meio Ambiente.

A partir de então, nota-se certa homogeneidade, já que o substituto de Marina trafega mais na faixa do espetáculo do que da ação. Para sorte do governo (pelo menos neste aspecto), sobreveio uma crise global gravíssima, que fez a economia mundial andar para trás. A demanda pelos nossos produtos agrícolas caiu, e, com ela, o desmatamento. E as autoridades colheram números ambientalmente favoráveis para exibir.

Mas Lula deu azar em outro aspecto: a obtenção de um razoável consenso interno no governo a favor do que é chamado desenvolvimentismo coincide com a agudização quase insuportável das pressões externas para que o Brasil coloque limites draconianos à emissão de gases do efeito estufa.

A divisão interna deu lugar ao constrangimento externo. E como, um ano depois, a crise parece estar no fim, com a volta do crescimento virá também mais desmatamento, e haverá pressões. E sabe-se que o Brasil não chega a ser especialmente valente diante de certas pressões de fora.

Um resultado perverso da falta de unidade interna no governo e no PT é dificultar que se encontrem soluções equilibradas quando o Congresso Nacional tem que trabalhar questões polêmicas. Tome-se o atual debate do Código Florestal. A Câmara dos Deputados abriu a discussão, em meio a uma guerra entre as bancadas do meio ambiente e da agricultura. Os primeiros pressionam para manter regras draconianas de intocabilidade na propriedades rurais. Os segundos, naturalmente, são contra.

O aspecto mais esdrúxulo dessas regras é que elas estimulam a concentração da propriedade, num governo que se diz propulsor da desconcentração. Se o sujeito só pode produzir em 20% de suas terras, o empreendimento fica viável economicamente a partir de uma área relativamente grande. Existem argumentos em defesa da possibilidade de explorar a terra sem afetar o ecossistema, mas isso, por enquanto, ou está na teoria ou mostra pouca viabilidade econômica.

Há também outras perversidades, decorrentes da justaposição irracional de normas. Que ameaçam jogar na ilegalidade populações inteiras de agricultores. E quem pode resolver esse imbróglio? O governo. Só ele. Entre um e outro jantar de articulação política, entre uma e outra reunião sobre 2010, talvez as autoridades possam encontrar um tempinho para ajudar a descascar o abacaxi.