Título: Presidente contestado
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 09/03/2013, Mundo, p. 34
A aparente trégua selada entre o governo venezuelano e a oposição após a morte do presidente Hugo Chávez chegou ao fim ontem, quando 33 chefes de Estado e de governo do mundo inteiro presenciaram as cerimônias fúnebres do líder bolivariano. O estopim da nova crise política foi a sentença da Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que confirmou a designação de Nicolás Maduro como presidente da república interino - considerada uma fraude constitucional pelas lideranças opositoras, entre elas, o governador de Miranda, Henrique Capriles, provável adversário de Maduro nas próximas eleições.
A tensão elevou-se ainda mais quando o governo afirmou que a posse de Maduro seria na Academia Militar da Guarda Nacional de Fuerte Tiuna, o gigantesco quartel de Caracas onde Chávez está sendo velado. A opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD) convocou uma reunião de emergência e decidiu boicotar a cerimônia por considerar que Maduro devia, como todos os presidentes, ser empossado na Assembleia Nacional. Diante da pressão, o Palácio de Miraflores recuou. Mas a MUD, firme no argumento de inconstitucionalidade, foi a grande ausente. Nas ruas, ocorreram panelaços em diversas regiões de Caracas em repúdio à posse. Coube a Capriles explicar a posição.
- A posse é espúria, ninguém escolheu Nicolás presidente. O povo não votou em você, cara - disparou ele. - Qual é o medo, Nicolás? Respeitamos o momento que vive o país, mas não estamos dispostos a tolerar abusos de poder.
O governador assegurou que a Carta Magna é muito clara, e o vice-presidente deveria se encarregar do poder, convocar eleições, renunciar e só então lançar-se candidato.
O único presidente da História da Venezuela a não ser empossado no Congresso foi Carlos Andrés Pérez, em 1989 - na época, o governo eleito optou pelo Teatro Teresa Carreño de Caracas por "questões de espaço".
- Uma posse em Fuerte Tiuna teria sido simbolicamente muito forte. A imagem de uma democracia tutelada era inevitável - avaliou o historiador Luis Alberto Buttó, da Universidade Simón Bolívar.
Mesmo resolvida a polêmica do local, a posse de Maduro esteve repleta de denúncias. Para o bloco antichavista, a resolução de ontem viola o artigo 233 da Constituição. A alegação se sustenta sobre uma sentença de janeiro passado do TSJ - também considerada inconstitucional por especialistas e dirigentes políticos - que reconheceu o início do quarto mandato de Chávez sem a necessidade de sua posse. E, segundo a Carta Magna, "se a falta absoluta do presidente da República se produzir durante os primeiros quatro anos de período constitucional, se procederá a uma nova eleição. Enquanto for eleito e empossado o novo presidente, se encarregará da Presidência o vice-presidente".
"Estamos fora do estado de direito"
Juristas concordam com a insistência de Capriles para que Maduro renuncie e, só então, apresente sua candidatura.
- Estamos vivendo fora do estado de direito - assegurou Jorge Pabón, professor de Direito Constitucional da Universidade Central da Venezuela (UCV). - A sentença da Sala Constitucional deixou o candidato da oposição em situação de desigualdade. O espírito da Constituição é permitir que um presidente seja candidato porque supõe-se que sua gestão será submetida a um teste eleitoral.
Para o jurista, o novo presidente, que nunca foi eleito, seria beneficiado:
- Maduro será presidente e candidato. Mas a gestão que será avaliada pelos eleitores é a de Chávez.
O presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, tem outra visão:
- Estamos nos primeiros quatro anos de mandato e, diante da falta absoluta, se encarrega o vice-presidente executivo, que completará o período.
Informações extraoficiais dão conta de que as próximas eleições ocorreriam em meados de abril. E analistas acreditam que as chances da oposição são mínimas. Para Carlos Romero, da UCV, Capriles vai perder - embora não por uma diferença grande.
- Sua candidatura servirá para garantir a vigência da oposição - opinou.