Título: Conclave não deve terminar rápido
Autor: Grandelle, Renato
Fonte: O Globo, 09/03/2013, Mundo, p. 36

Desde o anúncio da renúncia de Bento XVI, especulava-se quando seria a eleição de seu sucessor. Ontem, o Colégio dos Cardeais enfim decidiu: na tarde da próxima terça-feira, dia 12, os clérigos vão se reunir na Capela Sistina para o primeiro escrutínio.

O cardeal Joseph Ratzinger foi eleito em apenas 24 horas em 2005, numa das votações mais rápidas da História da Igreja. Agora, porém, é quase um consenso que esta velocidade não deve se repetir. Enquanto o religioso alemão era profundamente identificado com a figura de João Paulo II, hoje nenhum dos papáveis gostaria de ser a imagem e semelhança de Bento XVI.

- Qualquer coisa é possível, especialmente se os italianos estiverem tão divididos como parece - especula Thomas J. Reese, diretor de Religião e do Programa de Política Pública do Woodstrock Theological Center, da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos.

Os maiores protestos contra os encontros cardinalícios, aliás, vêm dos EUA. Estas congregações, realizadas durante toda a semana, permitiam que os religiosos discursassem por apenas cinco minutos, o que não daria a qualquer tema a abordagem merecida. Com isso, o pré-conclave foi transferido dos salões episcopais para seus corredores. No vocabulário do Vaticano, estas conversas atendem por murmuratio .

- As congregações não são produtivas - protesta Reese. - Pode-se até ter um panorama geral da Igreja, mas as definições ainda vêm de conversas informais. Precisamos lembrar que 26 religiosos foram promovidos a cardeais no ano passado, e também há muitos que não trabalham em Roma. Se o debate atual não for enriquecido, eles não conseguirão conhecer seus pares ou o funcionamento da Cúria.

Segundo Reese, "dois ou três nomes" podem sair dos intervalos do cafezinho do Vaticano. Um deles é de Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo. Num encontro dos cardeais alemães antes de viajarem para Roma, Scherer foi considerado "disciplinador", um fator positivo numa Igreja imersa em escândalos.

Scherer é, também, dono de uma carreira meteórica. Em dez anos, foi de bispo a cardeal, passando pela Cúria Romana, como membro da Congregação para o Clero, e pelo comando da Arquidiocese de São Paulo. Outro ponto positivo seria a falta de identificação de seu nome a um movimento religioso, o que afastaria seguidores de outras correntes.

A maior oposição a ele viria do Brasil, segundo o padre Manoel Godoy, diretor do Instituto Santo Tomás de Aquino e amigo do cardeal há 30 anos.

- Scherer é visto aqui como uma pessoa antipática. Ele sequer venceu a eleição para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Teve menos de metade dos votos do eleito, o cardeal Raymundo Damasceno - lembra Godoy. - Mas não acredito nesta fama de sisudo. Creio que ele circule à vontade entre seus pares em Roma.

Scola poderia reunir clérigos europeus

Godoy ainda arrisca qual nome Scherer poderia adotar, se eleito Papa. Por admirar muito o apóstolo Paulo, cogitaria ser o sétimo a abraçar o título - o mais recente (1963-1978) concluiu o histórico Concílio Vaticano II. Ou, então, o décimo quarto da linhagem Leão. O último, entre 1878 e 1903, interrompeu a má sucedida linhagem dos Pios e aproximou a Igreja dos trabalhadores.

Mas o candidato preferido, de acordo com a imprensa italiana, é o arcebispo de Milão Angelo Scola. Segundo o jornal "La Repubblica", o cardeal já contaria com a adesão de pelo menos 40 dos 115 eleitores - são necessários 77 para a eleição de um Pontífice. Ainda de acordo com o diário, Scola catalisaria os votos europeus.

O italiano desbancaria seu compatriota, Gianfranco Ravasi, ministro da Cultura do Vaticano, que teria um perfil muito semelhante ao de Bento XVI - intelectual incontestável, mas um gestor limitado. Scola, por sua vez, conquistou a fama de reformista. Seu bom trânsito na Cúria proporcionaria uma administração eficiente, embora não radical, dos problemas enfrentados pela Igreja.

Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, João Batista Libânio avalia que os cardeais almejam um Papa carismático e jovem, com vigor para conquistar os fiéis.

Libânio, que conheceu o Papa Paulo VI e Joseph Ratzinger - este ainda como consultor do Vaticano II - acredita que os cardeais europeus errarão se votarem pensando apenas em concentrar o poder no continente.

- É clara a necessidade de perceber o mundo inteiro, e não o que fez Bento XVI, concentrando esforços na Europa - analisa. - É um continente onde a quantidade de católicos se reduz de forma vergonhosa, ao contrário de Ásia e África. E também poderíamos almejar uma administração mais longa, porque normalmente ocorre um revezamento entre um papado mais duradouro e outro curto.

No século XX os conclaves têm durado, em média, três dias, embora os mais recentes tenham sido resolvidos em um ou dois.

Hoje e amanhã, o local será aberto à imprensa. Depois, uma varredura tentará identificar escutas eletrônicas. É possível que na segunda-feira haja a última congregação geral. Nesse mesmo dia, os cardeais serão transferidos para a Casa Santa Marta, seu alojamento durante as votações dentro do Vaticano. No trajeto deste local à Capela Sistina não será permitido que se comuniquem com outras pessoas. Os clérigos também passarão constantemente por detectores de metais.