Título: Na OEA, disputa por controle de comissão
Autor: Barbosa, Flávia
Fonte: O Globo, 10/03/2013, País, p. 12
Reforma proposta por países bolivarianos perde terreno
O processo de reforma da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) chega à reta final com aparente isolamento de Equador, Venezuela, Bolívia e Nicarágua, países bolivarianos que querem cercear o trabalho do órgão de defesa de direitos e liberdades civis e de expressão do continente. Na última semana, Estados que mantinham posições obscuras - entre eles, o Brasil - se posicionaram por mudanças mais brandas, definidas pela própria CIDH, abrindo espaço para uma solução que preserve a comissão e encerre 20 meses de discussões que ameaçam a independência do órgão.
Entidades da sociedade civil e membros da OEA mantêm vigilância sobre negociações nas próximas duas semanas, até a realização, dia 22 em Washington, da assembleia geral extraordinária da Organização (conduzida pelos chanceleres dos 34 sócios) na qual será definido o alcance da reforma. Os olhos estão voltados para a cidade equatoriana de Guayaquil, onde amanhã os 21 países signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos fazem uma discussão prévia.
Se chanceleres como o mexicano e o brasileiro não comparecerem ao encontro, ou essas discussões, paralelas, forem mornas, observadores consideram que as chances de uma reforma draconiana da CIDH passar dia 22 estarão quase sepultadas. O nível de tensão voltará a subir se a reunião der combustível à proposta encaminhada pela Nicarágua quarta-feira passada, que alega que não há tempo para conclusão das negociações, propondo esticá-las, e sugere a revisão da Convenção Americana de Direitos Humanos.
- Guayaquil dirá muito sobre o desfecho das negociações. Mas há sinalizações muito positivas de países como o Brasil. Se a disposição for mesmo de aprovar a autorreforma, estarão salvos os princípios básicos do trabalho da comissão - afirmou ao GLOBO o secretário-executivo da CIDH, Emílio Álvarez Icaza.
Na última sexta-feira, Brasil, México, Colômbia e outra dezena de países, que vinham sendo acusados de omissão, publicamente defenderam que propostas de mudanças encaminhadas pela CIDH para análise são satisfatórias e que o processo de reforma deve ser encerrado no fim de março - no que foram acompanhados pela secretaria-geral da OEA. Foi o gesto mais contundente de apoio à comissão, deixando as nações bolivarianas discursando sozinhas pelo aprofundamento das alterações e a prorrogação das negociações. Também não houve apoio à proposta da Nicarágua.
- As respostas da CIDH atenderam, em grande parte, às demandas dos Estados e da sociedade. Foi um processo longo, doloroso, que consumiu forças, mas foi valoroso. O diálogo foi reaberto e a comissão é hoje melhor do que há dois anos. Agradecemos o trabalho completo e honesto. O Brasil quer encerrar a reforma em 22 de março porque entende que deve-se dar tempo para ver como as alterações vão funcionar - afirmou o ministro Breno Dias da Costa, representante brasileiro no Conselho Permanente da OEA.
- Não estamos prontos para encerrar dia 22. Restam questões a serem decididas em âmbito político - retrucou a embaixadora da Venezuela na OEA, Carmen Velásquez, acompanhada por representantes de Equador e Nicarágua na defesa da extensão das discussões.
Se a posição do Brasil - desde o início defendida com afinco por Estados Unidos, Canadá, Costa Rica e Paraguai - prevalecer, será o fim de um ataque sem precedentes ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, ao qual o governo Dilma Rousseff emprestou força política, embora sem endossar posições mais radicais, ao reagir a uma medida cautelar da CIDH que suspendia a construção da usina de Belo Monte, em maio de 2011.
Descontentes com ações da comissão relativas à liberdade de expressão e ao cumprimento da convenção continental de direitos humanos, respectivamente, os altos escalões dos governos de Equador e Venezuela mobilizaram o apoio de países caribenhos e, com ajuda do Brasil e diversos países sul-americanos com casos de grande visibilidade pendentes na CIDH, conseguiram a formação de um grupo de trabalho para fazer recomendações para uma reforma do sistema. Foram 53 ao todo, entregues no início do ano passado.
De lá para cá, estabeleceu-se uma queda de braço. A CIDH debruçou-se sobre as recomendações e produziu uma proposta de autorreforma que atende desejos dos países-membros - como o estabelecimento de critérios transparentes para adoção de medidas cautelares como a que suspendeu Belo Monte - mas mantém a autonomia do órgão e o foco do trabalho no atendimento das vítimas de arbitrariedades. Os bolivarianos insistem em aprofundar reformas.
Eles defendem a limitação do financiamento da comissão e de sua relatoria para liberdade de expressão, que recebem recursos de concursos e países não-integrantes da OEA, o cerceamento da publicação de relatórios críticos e a mudança da classificação de cumprimento de direitos e liberdades no informe anual da CIDH, a alteração dos critérios para consideração de casos e encaminhamento de petições individuais à CIDH, exigências de prazos e apresentação de documentos e assinaturas.
Essas medidas, na prática, para as organizações da sociedade civil, fragilizam a comissão.
- Os países precisam entender que quando a CIDH adota uma medida, não o faz contra os países, e sim em favor das vítimas, dos direitos humanos. Quando age no caso Maria da Penha, age contra a violência contra as mulheres, age para proteger Maria da Penha, não contra o Brasil. A reforma não pode impedir que a comissão proteja as vítimas - afirmou Viviana Krsticevic, diretora-executiva do Centro pela Justiça e o Direito Internacional.