Título: Mina de problemas
Autor: Nogueira, Danielle; Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 12/03/2013, Economia, p. 19
Vale suspende investimento de US$ 6 bi na Argentina, o maior do país. 6 mil perdem emprego
Um ano após intensas negociações com o governo argentino, a Vale decidiu ontem suspender o projeto de potássio Rio Colorado, na província de Mendoza. Oficialmente avaliado em US$ 5,9 bilhões, o projeto era considerado o maior investimento privado da História da Argentina. Com a decisão, cerca de seis mil funcionários diretos e indiretos vão perder o emprego, a maioria argentinos. A suspensão de Rio Colorado é um revés não apenas para a presidente Cristina Kirchner, como também para a presidente Dilma Rousseff, já que o Brasil é deficitário em potássio, insumo usado na fabricação de fertilizantes. As duas fariam um último esforço para salvá-lo semana passada em um encontro em Calafate, na Argentina, mas, devido à morte do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, Dilma cancelou a viagem.
A decisão da Vale tem razões políticas e econômicas. A mineradora vem se desfazendo de vários projetos desde o ano passado, com o objetivo de centrar esforços naqueles mais rentáveis e que se inserem nas prioridades da empresa, tendo em vista a necessidade de aumentar seu caixa, num cenário de volatilidade de preços das commodities . Analistas de mercado estimam que, com a variação cambial nos últimos anos e as exigências do governo argentino, o projeto demandaria cerca de US$ 11 bilhões, ou 86% mais que o previsto pela companhia. A Vale já investiu em torno de US$ 1 bilhão em Mendoza. Para este ano, estavam previstos US$ 611 milhões. Apesar da suspensão, a Vale manteve a concessão.
Paralelamente, a instabilidade política e a insegurança jurídica na Argentina contribuíram para tornar o empreendimento inviável. A política cambial da Casa Rosada - que em novembro de 2011, entre outras medidas, restringiu drasticamente a venda de dólares - se transformou num grande obstáculo para as operações da Vale no país. A empresa, segundo fontes, solicitou algum tipo de flexibilização das novas regras cambiais, mas não conseguiu o que queria. Atualmente, o dólar oficial está cotado em cinco pesos, bem abaixo dos 7,82 pesos do mercado paralelo.
Segundo fontes brasileiras que acompanharam as conversas entre a empresa e o governo argentino, a Vale também pretendia obter benefícios tributários, como a isenção do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA). Fontes da empresa disseram que a mineradora pediu uma antecipação da restituição do imposto, prevista em lei, mas isso foi negado pelas autoridades argentinas. Tal restituição seria no valor de cerca de US$ 1 bilhão. As dificuldades envolvem ainda um acerto quanto à contratação de fornecedores e mão de obra local, que estariam acima do considerado viável pela Vale.
Em nota, a empresa alegou que "no contexto macroeconômico atual os fundamentos econômicos do projeto não estão alinhados com o compromisso de disciplina na alocação do capital e criação de valor". A companhia disse ainda que, no caso de retomada do empreendimento, será dada a preferência aos atuais empregados do projeto. Estes estavam de férias coletivas desde dezembro de 2012, enquanto as partes tentavam encontrar uma solução.
Esforço diplomático para salvar projeto
A suspensão de Rio Colorado foi decidida em reunião do Conselho de Administração da companhia ontem, convocada especialmente para este fim. A decisão foi informada por carta ao ministro do Planejamento argentino, Julio De Vido, e, segundo o jornal de Mendoza "Los Andes", pegou de surpresa o consórcio responsável pela obra, a UTE. É a UTE que contrata a maioria da mão de obra envolvida no projeto.
Rio Colorado já teve várias idas e vindas. Durante alguns meses de 2011, as obras chegaram a sofrer atrasos pela pressão de sindicatos da construção civil de Mendoza, que exigiam uma maior participação de fornecedores locais. Ano passado, as divergências aumentaram, demandando um esforço diplomático para salvar o projeto. Equipes de negociação foram formadas por ambos os países. Do lado brasileiro, os negociadores eram o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, e o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia. Desde março de 2012, foram cerca de 15 rodadas de negociações. O presidente da Vale, Murilo Ferreira, chegou a ir pessoalmente à Argentina para tentar buscar um consenso, sem sucesso.
- As negociações foram intensas, mas não houve acordo - disse uma fonte.
O projeto é considerado importantíssimo pelo governo Kirchner e, principalmente, pelo governador de Mendoza, o kirchnerista Francisco "Paco" Pérez. Ele chegou a afirmar que as obras continuariam "com ou sem a Vale" e cogitou ter ajuda de "capitais chineses" para substituir a empresa brasileira Na sua busca por sócios, a Vale avançou em negociações com um sócio de Abu Dhabi, mas não houve acordo em torno da taxa de retorno do projeto.
Além da mina, o projeto incluía a renovação de uma ferrovia , a construção de um ramal ferroviário e de um terminal marítimo em Bahía Blanca, na província de Buenos Aires. A previsão era iniciar as operações em 2014 e a capacidade de produção seria de 4,3 milhões de toneladas por ano.