Título: Venda da Globovisión ocorrerá após as eleições
Autor: Costa, Mariana Timóteo da
Fonte: O Globo, 12/03/2013, Mundo, p. 27

Funcionários temem que único canal de TV independente do país seja forçado a mudar linha editorial

Os rumores que ganharam força nas redes sociais no fim de semana sobre a venda da única emissora de TV independente da Venezuela, a Globovisión, foram confirmados ontem, após uma reunião da direção da empresa com os funcionários. Num cenário de perseguição política - ao longo dos 14 anos de governo de Hugo Chávez - e crise financeira, a família Zuloaga, proprietária do canal, acertou a venda para Juan Domingo Cordero, empresário do setor de seguros e ex-presidente da Bolsa de Valores de Caracas. A única condição imposta pelos donos da emissora foi assegurar que a venda só seja concluída após as eleições presidenciais em 14 de abril.

Nas redes sociais e entre os funcionários, são fortes os rumores de que o canal poderia passar por uma mudança editorial. Na prática, temem que a emissora passe a não transmitir mais o noticiário de forma independente.

- Mesmo assim, o ambiente aqui é de tranquilidade. Estamos comprometidos a fazer nosso trabalho nesses quase 30 dias até as eleições - disse um funcionário ao GLOBO.

Já a jornalista Diana Carolina Ruiz se manifestou sobre o assunto no Twitter: "Seguimos intactos, da forma que estamos continuamos! Não há demissões nem autocensura. Ao menos esta é a situação atual".

O presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Claudio Paolillo, afirmou que o novo dono da Globovisión é um empresário "historicamente ligado ao chavismo" e que, "se o atual processo de coibir a imprensa de seguir livremente continuar, o governo terá, em breve, o controle absoluto da TV venezuelana".

Segundo Paolillo, Zuloaga não suportava mais a pressão do regime chavista, e sua perda econômica era muito grande, daí a decisão de vender a rede.

- A Venezuela pode perder sua única voz livre na TV, e as consequências disso para o país são irreparáveis.

Ele prevê um endurecimento dos ataques à liberdade de expressão sob o comando de Nicolás Maduro, dadas as divisões dentro do chavismo.

As famílias Zuloaga e Núñez são donas de 78% das ações do canal. Os boatos dão conta de que Cordero colocaria Oscar Schemel, dono da empresa de pesquisa de opinião Hinterlaces, que trabalha para o chavismo, na diretoria da empresa - o que afetaria sua independência editorial. Os outros donos da rede são o banqueiro Nelson Mezherane, que está exilado nos EUA e não pode vender seus 20% porque seus bens estão bloqueados pela Justiça, e o jornalista Alberto Ravell, com 2% do capital.

Em reunião com os funcionários, o vice-presidente da Globovisión, Carlos Zuloaga, apresentou uma carta de seu pai, Guillermo Zuloaga, explicando a situação da empresa, que conta com quase 500 funcionários.

VIOLAÇÕES À LIBERDADE

"Somos inviáveis politicamente, porque estamos num país totalmente polarizado e do lado contrário de um governo todo-poderoso, que quer nos ver fracassar. Somos inviáveis juridicamente, porque temos uma concessão que termina e não há disposição para renová-la", explicou.

Zuloaga reconheceu que, no ano passado, o canal tomou a decisão de fazer o possível para que a oposição vencesse as eleições em outubro. "Era a oportunidade, como venezuelanos, de recuperar nosso país. Fomos extraordinariamente bem na Globovisión e quase conseguimos, mas a oposição perdeu", disse, em referência a Henrique Capriles.

Relatório divulgado ontem pela SIP ressalta que a liberdade de expressão foi seriamente afetada na Venezuela nos últimos meses. Em 2012, houve um aumento de 37% nos casos de violações à liberdade de expressão. Em 58% dos casos relatados, há envolvimento de funcionários públicos. De cada oito casos denunciados, sete são declarados inadmissíveis. No fim do ano passado, o Colégio Nacional de Jornalistas condenou de forma enérgica a pressão que o governo está fazendo sobre os meios de comunicação para que fechem os espaços de opinião e mudem sua linha editorial.