Título: Justiça argentina condena à prisão perpétua cinco agentes da ditadura
Autor: Ilha, Flávio
Fonte: O Globo, 13/03/2013, País, p. 3

A Justiça argentina condenou ontem o último presidente da ditadura militar (1976-1983), Reynaldo Bignone, e o ex-comandante Santiago Omar Riveros à prisão perpétua por delitos cometidos contra 23 vítimas, entre elas sete mulheres grávidas que tiveram seus filhos em maternidades clandestinas.

Os ex-repressores Luis Sadi Pepa, Eduardo Oscar Corrado e Carlos Tomás Macedra também foram condenados à prisão perpétua. Os também acusados e julgados Carlos del Señor Garzón e María Francisca Morillo foram condenados a 15 e 12 anos de reclusão, respectivamente. Já Carlos José Somoza foi condenado a 25 anos, e Hugo Castagno Monge e Julio San Román, a 20 anos.

O julgamento de 25 acusados de crimes realizados pela Operação Condor começou no último dia 5. É a primeira vez que repressores são julgados em conjunto por cooperarem na perseguição e assassinato de opositores nas décadas de 1970 e 1980. Segundo cálculo dos magistrados do tribunal, o julgamento terá a duração de pelo menos dois anos; serão ouvidas cerca de 500 testemunhas.

As figuras mais importantes do último governo militar, entre elas o ex-ditador Jorge Rafael Videla, estão presas e condenadas. Os processos também continuam avançando em tribunais do interior da Argentina. Recentemente, a Justiça de La Rioja confirmou a cumplicidade da Igreja Católica com os militares durante os anos de chumbo.

Na Operação Condor, as ditaduras pediam a captura e em alguns casos a eliminação ou extradição dos sequestrados, sempre fora dos parâmetros estabelecidos por lei. Entre os desaparecidos estão dois diplomatas cubanos sequestrados e torturados em 1976 em um dos centros clandestinos de detenção do país, conhecido como "Automotores Orletti".

O local foi alugado por agentes da Secretaria de Inteligência do Estado (Side) e funcionou como uma das bases principais das forças de inteligência estrangeiras que operavam na Argentina no marco da Operação Condor.

MPF vai investigar desaparecimento

Um dos casos analisados no julgamento é o sequestro de dois estrangeiros no Aeroporto do Galeão, no Rio, em 12 de março de 1980. Esse caso também será investigado pelo Ministério Público Federal brasileiro. Os dois eram argentinos e foram retirados de um voo comercial que vinha do México.

Documentos obtidos pelo O GLOBO mostram que a operação foi realizada pelo Batalhão 601, um temido destacamento da inteligência militar do país vizinho, com autorização das Forças Armadas brasileiras. O documento não se refere à participação direta de agentes locais na captura, mas deixa claro que as autoridades militares sabiam da operação, realizada com apoio de um Hércules C130 da Força Aérea Argentina. Depois de sequestrados, os dois estrangeiros foram levados para o país vizinho no mesmo avião.

- É a primeira vez que responsáveis pelo desaparecimento de estrangeiros no Brasil vão a julgamento - disse o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH) do Rio Grande do Sul, Jair Krischke.

Horácio Domingo Campiglia, que usava o codinome "Pedro" e era da cúpula do movimento Montoneros, e Monica Susana de Binstok foram capturados quando desembarcaram no Rio para um suposto encontro do grupo de luta armada de oposição à ditadura argentina na cidade. Um memorando da embaixada dos Estados Unidos em Buenos Aires, de 2 de abril de 1980, narra a operação, menos de um mês após o sequestro.

O relatório foi escrito pelo chefe-adjunto da missão governamental americana para a Argentina, Maxwell Chaplin, que cita o oficial de segurança da embaixada em Buenos Aires, James Blystone, como participante de uma reunião com um informante do Batalhão 601. O agente confirma a operação e informa que os militantes tinham sido levados, sob custódia do exército argentino, para a prisão secreta Campo de Mayo - El Campito, como era conhecida. Mais de 5 mil presos passaram pelo local e a maioria sucumbiu às sessões de tortura.

Para não levantar suspeitas sobre o desaparecimento dos estrangeiros, a missão militar registrou dois falsos militantes em um hotel da cidade utilizando os documentos apreendidos com Horácio e Monica.