Título: Operação Condor sob investigação
Autor: Ilha, Flávio
Fonte: O Globo, 13/03/2013, País, p. 3

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) enviará ao governo argentino um pedido de investigação sobre o desaparecimento de 15 brasileiros no país vizinho durante ações da Operação Condor, que reuniu os aparatos repressivos de Chile, Brasil, Argentina, Paraguai, Bolívia e Uruguai no combate à esquerda entre 1975 e 1981. Apesar de as informações sobre os brasileiros desaparecidos na Argentina serem oficiais, o governo nunca pediu formalmente investigação ao país vizinho.

O pedido, já aceito pelos membros do grupo de trabalho da comissão que analisa a Operação Condor, deverá ser enviado até maio para autoridades e instituições argentinas que tenham dados sobre esses casos. Segundo a coordenadora-interina da CNV, Rosa Cardoso, a comissão trabalha inicialmente com oito casos confirmados de brasileiros desaparecidos na Argentina. Mas deve ampliar esse universo, com dados que surjam na apuração.

- Estamos levantando primeiro os casos mais seguros. Mas nossa missão é obter informações sobre todas as ações, independentemente de ainda estarem obscuras ou de até estarem com os informes extraviados. Estamos na fase inicial, de elaboração dos dossiês. Não decidimos qual a maneira de operacionalizar o pedido junto às autoridades argentinas - disse Rosa.

O GLOBO apurou que os documentos com pedido de investigação deverão ser enviados à Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Argentina, que detém arquivos sobre a ação dos órgãos de repressão no país durante a ditadura militar (1976-1983), e ao Conselho Nacional da Magistratura. Não há consenso ainda sobre a necessidade de intermediação do Itamaraty. Na avaliação de alguns membros da comissão, a participação de autoridades brasileiras poderia criar "embaraços diplomáticos" e burocratizar demais o processo.

Após o pedido de investigação às autoridades argentinas, a CNV irá estender a ação aos quatro casos de brasileiros desaparecidos no Chile e a um na Bolívia. Rosa disse que o grupo quer concluir logo as investigações para que os casos de sequestros com desaparecimento possam integrar o relatório final da comissão, que precisa estar concluído em maio de 2014.

Esses casos, diz Rosa, podem ir a julgamento porque o Supremo Tribunal Federal considerou que os crimes tipificados como permanentes (como esses sequestros, que juridicamente nunca terminaram) não são objeto da Lei de Anistia.

- Vamos encaminhar todo o resultado de nossas investigações ao Judiciário. Mas não podemos recomendar que a Justiça tome a iniciativa de abrir processos criminais porque a lei que criou a comissão não permite isso. Em todo caso, o Supremo sempre pode mudar de opinião e ampliar o leque de crimes não abarcados pela anistia - afirmou.

Segundo dados do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (MJDH), compilados principalmente junto à Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas (Conadep), 11 brasileiros foram sequestrados na Argentina e desapareceram em dependências das forças armadas daquele país entre 1971 e 1980 - entre eles o pianista Francisco Tenório Cerqueira Júnior, o Tenorinho, sequestrado em 18 de março de 1976 durante turnê de Vinícius de Moraes e Toquinho, em Buenos Aires. Quatro tiveram o sequestro e desaparecimento reconhecido pela Lei 9.140; as famílias foram indenizadas pelo Estado.

Outros quatro foram capturados em 1974, quanto tentavam fugir para o Brasil; um nome que aparece na lista do MJDH não tem registro no Conadep. Todos tinham status de refugiados políticos do Alto Comando das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Nenhum reapareceu.

O procurador federal Ivan Marx, responsável pelo grupo de trabalho Memória e Verdade do MPF, diz que uma investigação criminal contra os agentes que participaram dos desaparecimentos é possível desde que observadas as condicionantes dos respectivos códigos penais.