Título: Mais perto da vida artificial
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Fonte: O Globo, 14/03/2013, Ciência, p. 28

Considerado um dos maiores nomes da genética mundial e um dos pioneiros do projeto genoma, o cientista americano Craig Venter anunciou ontem estar cada vez mais perto de conseguir criar vida sintética a partir do zero. Há quase dois anos, Venter anunciou, em artigo publicado na "Science", a criação da primeira célula comandada por um genoma sintético.

A possibilidade de criação de uma vida inteiramente sintética abre uma nova era da biologia, com implicações futuras que vão desde a criação de micro-organismos programados para funções específicas, como produzir vacinas e combustível, até o questionamento sobre a origem da vida.

- Pela primeira vez estamos perto de criar vida artificial do zero - afirmou o cientista no Encontro de Grandes Desafios Globais, em Londres. - Achamos que estamos bem perto, mas ainda não submetemos um estudo (a nenhuma revista científica).

Num feito classificado com um dos mais importantes avanços científicos da História, o grupo do geneticista americano apresentou, em maio de 2010, o que chamou de célula sintética. No estudo, o grupo descreve o passo a passo da criação totalmente artificial do cromossomo de uma bactéria e sua transferência bem sucedida para uma outra bactéria, em substituição ao DNA original. Ativada pelo genoma sintético, a célula começou a se replicar e a produzir proteínas.

- Não, não consideramos que isso seja "criar vida do zero", mas, sim, criar uma nova vida a partir de uma vida já existente usando um DNA sintético para reprogramar as células - explicou, na ocasião.

O próximo passo, então, seria criar tudo sinteticamente, não partir de nenhum organismo vivo, mas apenas de compostos químicos. Venter garante estar bastante perto disso, nos estágios finais de testes, criando diversos modelos de simulação no computador para entender melhor como o processo funciona. O grupo trabalha para criar do zero, o menor organismo vivo conhecido, com 525 genes, a bactéria Mycoplasma genitalium.

Explicação para a origem da vida

A biologia sintética pode ser usada para produzir combustíveis não poluentes, vacinas instantâneas contra novas doenças e remédios de baixo custo, mas vai exigir tempo, colaboração e novas regulamentações, alertam especialistas. Cientistas e concordaram que a tecnologia não representa "desafios imediatos" para o meio ambiente, segurança ou ética. Mas recomendam o acompanhamento atento dos próximos estudos para que não haja problemas.

Para além das aplicações práticas, a biologia sintética pode ser capaz de revelar um dos maiores mistérios da ciência: o início da vida. Em outras palavras, pode ajudar na compreensão de como matéria orgânica surgiu a partir da inorgânica. Várias experiências já tentaram replicar esse feito - que deu origem à vida na Terra - sem sucesso total, deixando espaço para religiosos atribuírem o feito a Deus.

As experiências de Venter ainda não explicaram como a vida começou. Mas já chegaram bem perto disso, ao mostrar que, sob determinadas condições, fragmentos químicos podem se unir para formar vida.

Agora, na nova experiência não por acaso chamada por ele de "genoma da Virgem Maria", ele pretende mostrar como é possível criar vida do zero. Ou seja, gerar uma vida diretamente a partir de um DNA criado em laboratório.

No encontro, Venter contou ainda que seu programa de busca de vida microscópica nos oceanos já revelou 80 milhões de genes até então desconhecidos da ciência, o que também pode contribuir para a compreensão das origens da vida.