Título: Aperto virá nos depósitos dos bancos
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 22/10/2009, Economia, p. 22

Banco Central deve elevar quantidade de dinheiro que as instituições financeiras são obrigadas a colocar em seu cofre antes de começar a aumentar a taxa básica de juros do Brasil

O Banco Central seguiu o script traçado pelo mercado e manteve a taxa básica de juros (Selic) em 8,75% ao ano. Mas, apesar de esperada, a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) ¿¿ a primeira com o presidente do BC, Henrique Meirelles, filiado a um partido político ¿¿ reforçou o discurso de uma ala de economistas de que, antes de elevar os juros, o BC aumentará os depósitos compulsórios, afrouxados em outubro do ano passado, auge da crise mundial. Na opinião do economista Paulo Leme, diretor do banco Goldman Sachs, é muito provável que, já em dezembro próximo, o BC pegue de volta parte dos R$ 100 bilhões liberados depois do estouro da bolha imobiliária americana para suprir a falta de crédito no sistema financeiro nacional.

¿A economia brasileira vive um excelente momento. Com o dinamismo atual, que resultou em crescimento entre 2% e 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre, está claro que chegou o momento de se retirarem os estímulos dados pelo governo. E isso passa pelo aumento dos compulsórios, num primeiro momento, e, depois, pela alta dos juros¿, disse Leme. Segundo ele, no cenário mais provável é de que a Selic só suba a partir do último trimestre de 2010, quando, efetivamente, o crescimento econômico poderá resultar em pressões inflacionárias. ¿Estamos projetando uma alta de 3,25 pontos percentuais, dos atuais 8,75% para 12%¿, afirmou. ¿Mas não descartamos a possibilidade de os juros já aumentarem a partir do segundo trimestre¿, acrescentou.

No entender do diretor do Goldman Sachs, como não há perspectivas de o governo reduzir os gastos correntes (com pessoal e com o funcionamento da máquina) nem de os bancos públicos tirarem o pé do acelerador do crédito, caberá ao BC reverter os estímulos monetários na tentativa de manter a inflação dentro das metas. Ele ressaltou que, nesse momento, o aumento dos compulsórios tenderá a reduzir o crescimento do crédito e, por tabela, a demanda doméstica. ¿Como o BC injetou quase R$ 100 bilhões no mercado, estamos falando de 72% da base monetária (quantidade de dinheiro em circulação na economia). Multiplicado, esse dinheiro significa R$ 150 bilhões para crédito¿, explicou.

Suspense desfeito

Para Ricardo Denadai, economista sênior da Santander Asset Management, o aumento dos compulsórios realmente está no radar do BC. ¿Mas é importante ressaltar que a alta dos compulsórios não substitui a elevação dos juros, que tem efeito mais consistente para o controle da inflação¿, afirmou. A seu ver, a alta da Selic será inevitável, devido à forte recuperação da atividade econômica. ¿Acreditamos que os juros vão começar a subir a partir de abril do ano que vem. Apostamos em uma elevação de três pontos percentuais, para 11,75%. Esse movimento será suficiente para manter a inflação próxima de 4,5% no ano que vem e em 2011, mesmo com o PIB avançando cerca de 5%¿, frisou.

No atual momento, o mais importante na visão de Denadai, foi que o BC optou por soltar um comunicado sem sustos para justificar sua decisão. Havia um suspense entre os analistas sobre a possibilidade de o Copom soltar uma nota muito diferente da que se viu na reunião de setembro, quando se interrompeu o processo de baixa dos juros. ¿Qualquer palavra muito diferente do comunicado anterior poderia ser mal interpretado. Certamente, o BC usará a ata do Copom, onde há mais espaço, para traçar um quadro mais claro de como está vendo a economia, em especial, a força do mercado de trabalho¿, disse. ¿O BC não quis sancionar a euforia do mercado¿, emendou.

Pelas projeções da economista Zeina Latif, do Banco ING, não há riscos inflacionários à vista pelo menos até o fim de 2010, quando os juros deverão subir. Segundo o economista-chefe da SLW Asset Management, Carlos Thadeu Filho, não há porque os juros subirem ao longo do ano que vem, pois a inflação não vai superar o centro da meta, de 4,5%. Foi justamente essa perspectiva que levou presidente da Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecormércio-RJ), Orlando Diniz, a criticar a postura conservadora do Copom em manter a Selic em 8,75%. Para o BC, essa taxa é compatível com um cenário inflacionário benigno e para a recuperação da atividade econômica.

MENOR TAXA DESDE 2004 Com uma queda de 0,06 ponto percentual em relação a setembro, a taxa média de juros para os empréstimos pessoais ficou em 5,21% ao mês em outubro, o menor índice desde outubro de 2004, quando ficou em 5,19% ao mês, conforme pesquisa divulgada pelo Procon de São Paulo. Apenas três dos dez bancos pesquisados reduziram suas taxas no empréstimo pessoal. Segundo o Procon, a queda no valor cobrado pelas instituições financeiras foi proporcionalmente inferior à redução da taxa básica de juros (Selic), que estava em 13,75% no início do ano e atualmente é de 8,75%. Como nenhum dos bancos consultados alterou os juros do cheque especial, o valor médio permaneceu em 8,79% ao mês. Participaram do levantamento o Banco do Brasil, o Bradesco, a Caixa Econômica Federal, o HSBC, o Itaú, a Nossa Caixa, o Real, o Safra, o Santander e o Unibanco.

Resultados sem rumo único

O mercado financeiro não apresentou direção única ontem. Após a reação inicial negativa à taxação de 2%, os principais ativos financeiros locais retomaram a trajetória ascendente no Brasil, mas de maneira leve. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) subiu 0,28% ontem, enquanto o dólar caiu 1,6%, sendo vendido por 1,725. No fim do dia, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, divulgou nota confirmando que participou da decisão de taxar o capital estrangeiro em 2%. No mercado, havia rumores de que ele for a isolado. Na Europa, a Bolsa de Frankfurt subiu 0,37%, enquanto a de Londres avançou 0,28%. Em Nova York, a bolsa sucumbiu à pressão negativa de notícias da Boeing e do Wal-Mart, fechando no vermelho (-0,92%) após registrar ganhos em boa parte da sessão. O Livro Bege do Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos) mostrou que as condições econômicas se estabilizaram ou melhoraram modestamente na maior parte dos Estados Unidos, citando melhora em dois dos setores mais abatidos: o imobiliário residencial e o industrial.