Título: Novo estilo no Vaticano
Autor: Berlinck, Deborah; Eichenberg, Fernando
Fonte: O Globo, 15/03/2013, Mundo, p. 32

A primeira missa do Papa Francisco, ontem, na Capela Sistina, não apenas sinalizou uma mudança radical no estilo, como também na linguagem. Diante dos outros 114 cardeais que participaram do conclave, o Papa jesuíta levantou até a sombra do demônio, quando alertou, em italiano:

- Quem não reza ao Senhor, reza ao diabo. Se não confessamos Jesus Cristo, confessamos o mundanismo do diabo.

Francisco falou de improviso, o que obrigou o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, a avisar com antecedência aos jornalistas pois nenhum texto seria previamente distribuído. E suas palavras tinham a simplicidade de um padre rezando missa para os fiéis de sua Igreja.

- Podemos caminhar o quanto quisermos, podemos construir muitas coisas, mas se não confessarmos Jesus Cristo algo está errado. Nós nos tornaríamos uma ONG piedosa, mas não a Igreja, esposa do Senhor - disse o novo Pontífice.

"Caminhar" foi uma das palavras mais usadas:

- Caminhar, edificar, confessar. Nossa vida é um caminho, e nada acontece quando paramos.

O tom marcou o contraste com Bento XVI, que na mesma capela, em 2005, fez sua primeira homilia em latim.

- Ele deu os sinais de um estilo próprio, que certamente será benéfico à Igreja e para a Humanidade - disse ao GLOBO o arcebispo de São Paulo, Odilo Scherer, um dos que liderava a bolsa de apostas dos vaticanistas como possível futuro Papa.

Segundo o relato do cardeal americano Timothy Dolan, esse jeito peculiar já foi manifestado no jantar após sua eleição, quando brindou:

- Que Deus perdoe vocês pelo que fizeram!

O guarda-roupa do Pontífice já passou por alterações. Os sapatos vermelhos de Bento XVI, equivocadamente citados como da grife Prada, foram trocados por calçados pretos. Quando cumprimentou os fiéis pela primeira vez, deixou de lado a mozeta vermelha - uma pequena capa usada sobre os ombros - e a cruz de ouro normalmente usada pelos Pontífices. No lugar dela, exibiu a cruz que carrega desde que se tornou arcebispo de Buenos Aires.

E o primeiro gesto do Papa foi dispensar a pompa e a tradição do Vaticano. Começou o dia indo discretamente à residência de padres onde estava hospedado - Domus Internationalis Paulus VI - para pagar a conta. Tratava-se de "dar o exemplo" para um Vaticano frequentemente associado à riqueza e à opulência. Às 8h, já estava rezando numa basílica em Roma dedicada à Virgem Maria, onde chegou acompanhado do cardeal Camillo Ruini. Após depositar flores na capela de Salus Popoli Romani, rezou cerca de dez minutos. Ludovico Melo, o padre que rezou com ele, disse que o Vaticano avisou dez minutos antes da chegada do Papa.

- Ele nos falou cordialmente, como um pai - contou o padre.

Sinais de uma espontaneidade que o cerimonial do Vaticano luta para se adaptar. Mas que não surpreendem a jornalista Virginia Bonard, que conhece Bergoglio, pois colabora com a arquidiocese de Buenos Aires e trabalha para publicações religiosas.

- Ele nunca teve celular. Não sabe usar computador. Em novembro de 2011, me disse: quando deixar (a arquidiocese) vou estudar computação.

Virginia,uma das poucas jornalistas argentinas na sala de imprensa do Vaticano quando o nome de Bergoglio foi anunciado, pulou e chorou com a notícia. A caminho de Roma, ainda em Buenos Aires, quando o conclave ainda não havia nem começado, ligou para Bergoglio:

- Ele me perguntou: o que precisa? Onde vai se hospedar? - lembra-se.

A jornalista disse que os gestos que chamaram a atenção em Roma - de que ele preferiu se locomover de ônibus com outros cardeais, no lugar da limusine reservada ao Papa - são gestos com os quais todos em Buenos Aires estão familiarizados.

- Ele nunca se locomove de carro. Às vezes, quando se deslocava para uma pastoral, dizíamos: "venha de carro conosco". Ele respondia: "não, não, vou tomar o ônibus 143". Estas são coisas que vão marcar seu Pontificado: simplicidade e humildade.

Os cardeais não tardaram a notar o novo estilo. Quando foram cumprimentar o Papa após a eleição, ele dispensou o trono reservado ao Pontífice, preferindo cumprimentar os colegas de pé. E não quis usar o elevador exclusivo para o Papa.