Título: A riqueza e o peso dos royalties
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 17/03/2013, Economia, p. 33

Cerca de 50 quilômetros separam Quissamã de Macaé, mas, ao ver a realidade dos dois municípios do Norte Fluminense e suas relações com o petróleo, a distância parece ser muito maior. Quissamã é considerada por especialistas como melhor exemplo do uso dos royalties no Brasil. Lá, de fato, foi transformada a realidade de sua população de 22 mil pessoas com investimentos pesados em saúde, educação, cultura e em projetos sociais. Macaé, por outro lado, é onde ficam mais nítidos os efeitos da voraz indústria do petróleo. Sua população mais que dobrou em duas décadas - com impactos até em sua identidade, pois hoje os forasteiros representam mais da metade dos moradores -, gerando problemas de cidade grande ao município de 250 mil habitantes, como trânsito caótico, favelas, poluição, especulação imobiliária e um custo de vida exorbitante.

Em meio ao forte debate sobre a divisão dos recursos do petróleo - que já chegou ao Supremo Tribunal Federal, onde os estados produtores tentam garantir recursos de compensação, apesar de o Congresso ter aprovado uma lei que trata de maneira semelhante locais afetados por petróleo e os estados não produtores, e com a possibilidade de um novo debate entre governadores sobre o tema, conforme antecipado pelo GLOBO na semana passada - moradores das duas cidades acompanham os acontecimentos em Brasília. Sabem que, dependendo do que ocorrer, o bem-estar social de Quissamã pode acabar ou, em Macaé, os problemas trazidos com a indústria de petróleo podem agravar o caos urbano.

Em Quissamã, as palavras serviço público, gratuito e qualidade normalmente andam juntas. Os royalties transformaram uma pequena cidade do interior, com economia baseada na decadente indústria da cana-de-açúcar, graças a cerca de R$ 100 milhões por mês, ou 40% do orçamento municipal. Essa nova cidade já atrai até moradores do Rio. É o caso da professora aposentada Heloísa Tavares Sgardi Lins, que trocou a Tijuca pela localidade:

- Aqui a médica me conhece pelo nome, o enfermeiro me liga para marcar exames preventivos, meu filho com problemas de educação conta com auxílio, tenho atividades como teatro e pintura e frequento a hidroginástica. Tudo de graça. Aqui se parece com o Canadá, onde mora uma amiga.

Longe de soar como um exagero, essa é a realidade percebida pela cidade, que tem 100% de saneamento básico, escola de qualidade, Programa Saúde da Família para todos e hospital de referência com seis leitos de UTI, algo que é um luxo até para cidades mais populosas. O município paga, até hoje, bolsas de estudos e transporte para moradores que pretendem estudar o ensino médio ou fazer uma faculdade em Macaé ou Campos. Foi graças a esse benefício que o então professor Sérgio da Silva Rodrigues entrou com 50 anos na faculdade de medicina. Hoje, é um dos médicos do município.

- Sem a bolsa nunca poderia ter realizado este sonho. No último ano da faculdade, em 2011, só a mensalidade era R$ 3.209 - conta.

Graças aos royalties, moradores de Machadinha, na zona rural de Quissamã, não precisam pagar para usar ônibus, que é gratuito. Vivendo ainda nas senzalas de uma fazenda - uma das construções do século XIX em melhor estado do interior fluminense, graças também aos royalties - os moradores sonham em progredir com bolsas do petróleo, dadas pela prefeitura.

- Estou no ensino médio, mas sei que posso fazer uma faculdade quando terminar, por causa dos royalties - afirma Artur dos Santos Peçanha, de 20 anos, descendente de escravos.

POPULAÇÃO DOBRA EM MACAÉ e Preços disparam

Na vizinha Macaé, a realidade é outra. A cidade tem problemas típicos de metrópoles e os desafios são enormes, mesmo recebendo R$ 500 milhões por ano com royalties - um terço do orçamento anual de R$ 1,5 bilhão. Se este recurso acabar de repente, então, pode ser criado o caos, diz o prefeito Dr. Aluízio (PV).

- Macaé não procurou ser um polo petrolífero, foi o petróleo que escolheu Macaé. E, por muito tempo, a relação entre a cidade e essa indústria, que por natureza é espaçosa, foi ruim. Mas agora queremos dar um ganho efetivo para a população - disse o prefeito da cidade que mais que dobrou de população em 20 anos.

A cidade não tem nem um litro sequer de esgoto tratado e o custo de vida é comparável ao da Zona Sul do Rio. Hospitais vivem lotados. Mas um dos mais visíveis problemas é a mobilidade, agravada pela migração diária de 40 mil pessoas de Campos dos Goytacazes e Rio das Ostras, que vão ao município trabalhar. Percorrer os 25 quilômetros entre Macaé e Rio das Ostras pode levar duas horas, o mesmo tempo que um maratonista gasta para correr 42 km.

- A situação fica mais grave, pois o estado não investiu na região os royalties que recebeu. A estrada que liga Rio das Ostras a Macaé, a RJ-106, é a mais importante rodovia estadual do Rio e não recebe investimentos. A mais importante estrada fluminense é pior que a pior estrada paulista - compara o prefeito.

Há quem tema que, sem os recursos do petróleo, a população das cidades vizinhas superlote ainda mais os serviços públicos da cidade, que diferentemente das outras não vive só de royalties. Ela sedia indústrias petrolíferas, gerando riqueza e outros impostos.

- Ainda vemos falhas políticas que pioram a situação, investimento errados - afirmou o servidor municipal Álvaro Coutinho, de 67 anos.

Especialistas contam que os administradores não estavam preparados para o petróleo. Além de não preverem com exatidão os impactos esperados, não conseguiram eleger prioridades.

- Houve problemas de gestão em algumas cidades, até bem intencionadas. Houve falha de orientação. E houve, sim, casos de corrupção. No entanto, há uma maior consciência de gerência na região, com cidades fazendo planos diretores - afirma José Luis Vianna da Cruz, professor da UFF em Campos, onde a prefeitura começa a resolver o déficit habitacional.

Já Paraty não quer repetir os erros que viveu com a explosão demográfica na época da construção das usinas nucleares em Angra. E Rio das Ostras, que já sofreu com o estigma de desperdiçar recursos em praças com revestimento em porcelanato, melhorou a educação:

- A gente vai se aperfeiçoando, eu mesmo fiz uma pós em gestão pública. Mas é muito difícil administrar uma cidade que ganha mil moradores por mês, temos que ter sempre as matrículas escolares abertas, por exemplo - conta Alcebíades Sabino (PSC), prefeito de Rio das Ostras, que está no terceiro mandato e foi responsável pela polêmica obra na praça.