Título: América Latina sai do foco dos EUA
Autor: Barbosa, Flávia
Fonte: O Globo, 17/03/2013, Economia, p. 36

Os laços são históricos e o mercado, vasto. Ainda assim, a América Latina não deve esperar atenção especial da política comercial do presidente Barack Obama nos próximos anos. No segundo mandato, os EUA terão como focos a Ásia, mediante a Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês), e a União Europeia (UE), com a qual foi anunciado em fevereiro o início de negociações para o maior acordo de livre comércio da economia mundial. O TPP, por sua vez, reúne 11 nações e um objetivo não declarado dos EUA: conter o crescimento exponencial da China.

Malgrado acordos bilaterais fechados recentemente, como aqueles com a Colômbia e o Panamá, o secretário-assistente de Assuntos Econômicos do Departamento de Estado dos EUA, José Fernandez, admite que uma aliança regional de livre comércio, que inclua do Canadá à Argentina, nos moldes da Alca, não está no horizonte:

- Há muito tempo não ouço falar de Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca). Agora estamos falando somente de TPP. As prioridades americanas são o TPP e o acordo europeu - afirmou Fernandez, em entrevista ao GLOBO e a jornais que compõem o Grupo de Diarios América (GDA). - Isso não quer dizer que se esteja excluindo ou ignorando outros países. O México é nosso terceiro maior parceiro comercial; os negócios com o Brasil só crescem. Digo que os EUA são um país Atlântico, mas também Pacífico.

Essa orientação, diz ele, não é do novo secretário de Estado, John Kerry, tido como um especialista de pouco apreço pela América Latina por uma ala da diplomacia americana. A política, diz Fernandez, "é do presidente Obama". E o secretário-assistente pondera que não é uma postura só dos EUA:

- Tem a ver com a mudança de eixo para Ásia. Não só EUA, mas Canadá, México e outros países latino-americanos estão com mais atenção no mercado asiático.

Diplomaticamente, Fernandez sugere que a América Latina também não vê urgência em um acordo de livre comércio das Américas. E alfineta o Brasil, ao ser confrontado com a possibilidade de o Mercosul se articular com países do TPP, entre os quais Peru, Chile e Colômbia, para ampliar a integração regional.

- Acho que os brasileiros não estariam de acordo. O Brasil gosta muito do Mercosul - disse, sorrindo, Fernandez.

estratégia além do comércio

Completam o bloco pacífico EUA, Canadá, México, Austrália, Brunei, Malásia, Nova Zelândia, Cingapura e Vietnã. O Japão manifestou interesse em negociar com o grupo. A diplomacia americana espera concluir as discussões do TPP até o fim do ano.

Fiéis a uma estratégia de geopolítica maior, que inclui questões militares e uma queda de braço pela supremacia no tabuleiro global, os EUA estão determinados a fazer frente à China e concluir a chamada "mudança de eixo à Ásia", uma intenção manifesta da política externa de Obama já no primeiro mandato. E o comércio exterior é uma das armas dessa batalha entre as duas maiores economias do mundo.

Não só o TPP permitirá uma entrada mais firme dos americanos no mercado asiático, nas trocas comerciais e nos investimentos, dividindo espaço com a China, como dará àquela região uma alternativa ao comércio com os chineses. Ao incluir quatro nações latino-americanas no acordo, os EUA também tentam frear o desembarque da China na região. Já a negociação com os europeus fortalece globalmente a posição americana: os dois mercados respondem por metade do comércio mundial.

Fernandez evita tratar o TPP como uma contraofensiva à China. Apenas afirma que os EUA têm confiança inabalável no livre mercado.

- Sempre vimos com bons olhos que os países diversifiquem seus parceiros comerciais. A maior presença da China é bem-vinda. O que insistimos é que todos estejamos competindo da mesma linha de partida e que nossos competidores não recebam benefícios especiais que as empresas americanas não estejam recebendo.