Título: A serviço dos excluídos
Autor: Berlinck, Deborah; Eichenberg, Fernando
Fonte: O Globo, 20/03/2013, Mundo, p. 30

O mecânico do avião da presidente Dilma Rousseff, Charles José de Oliveira, um mineiro de 44 anos, e dois colegas de voo, os comissários de bordo Paulo Dutra e Renato Augusto, não escondiam a felicidade com a sorte: tiveram uma brecha no trabalho, em Roma, no momento histórico da posse do Papa Francisco, o primeiro jesuíta e latino-americano a assumir o comando do Vaticano.

Os três estavam entre as cerca de 200 mil pessoas que foram à Praça de São Pedro para a missa de entronização de Francisco, mais simples e mais curta que a de Bento XVI, em 2005. Durante a cerimônia, o Pontífice confirmou em palavras e atitudes o que deve ser o tom de seu período à frente da Igreja Católica: um papado de proximidade aos fiéis e repleto de apelos à proteção dos mais necessitados.

- Guardar Jesus com Maria, guardar a criação inteira, guardar toda a pessoa, especialmente a mais pobre, guardarmo-nos a nós mesmos: eis um serviço que o Bispo de Roma está chamado a cumprir, mas para o qual todos nós estamos chamados - disse o Papa em sua homilia, conduzida em italiano.

Antes da missa, mais das já corriqueiras quebras de protocolo cometidas pelo Pontífice, cuja eleição completa hoje uma semana. Ele mandou que o papamóvel - um jipe aberto similar ao usado por Bento XVI em sua entronização - fosse parado várias vezes para que beijasse crianças. Em dado momento, desceu do veículo para abençoar um rapaz, deficiente físico, que estava no colo de um homem.

Na homilia, diante de representantes de 130 países, Francisco cobrou dos ocupantes de "cargos de responsabilidade" que sejam ""guardiões" da criação":

- Mas, para "guardar", devemos também cuidar de nós mesmos. Lembremo-nos de que o ódio, a inveja, o orgulho sujam a vida; então guardar quer dizer vigiar sobre os nossos sentimentos, o nosso coração, porque é dele que saem as boas intenções e as más: aquelas que edificam e as que destroem. Não devemos ter medo de bondade, ou mesmo de ternura.

Mensagem similar foi veiculada pelo Papa em sua conta no Twitter (@pontifex_pt) por meio de duas postagens ontem: "Guardemos Cristo na nossa vida, cuidemos uns dos outros, guardemos a criação com amor."; e "O verdadeiro poder é o serviço. O Papa deve servir a todos, especialmente aos mais pobres, aos mais fracos, aos mais pequeninos."

Na homilia, Francisco também fez menção ao antecessor, Bento XVI, para quem pediu orações com "estima e gratidão". Ontem, Francisco telefonou para o Papa Emérito. Segundo a imprensa da Santa Sé, Bento XVI contou ter acompanhado a cerimônia de entronização. Os dois Papas - o atual e o Emérito - almoçarão juntos no sábado, no palácio pontifício de Castelgandolfo, a pouco mais de 20 Km de Roma. É lá que Bento XVI está vivendo desde a renúncia e enquanto não fica pronta sua nova moradia dentro do Vaticano. Será o primeiro encontro dos dois após a eleição de Francisco.

Para os fiéis que foram à missa de ontem, o dia começou cedo. O trio do avião presidencial - Oliveira, Dutra e Augusto, todos sargentos da Aeronáutica e católicos praticantes - acordou às 3h30m para assegurar um bom lugar na Praça de São Pedro.

- Emocionante. É o primeiro Papa que vejo de perto - comemorou Augusto.

Oliveira exaltou a simpatia e a simplicidade do Papa Francisco. Dutra achou que o Papa "lembra muito o povo brasileiro e latino". Já para Augusto, o novo Pontífice, ao abrir mão de regalias, "está dando o exemplo para que não nos apeguemos às coisas materiais".

"carisma vai atrair muita gente"

Os três sargentos assistiram ao momento histórico ao lado de uma "noviça rebelde", como ela mesmo se definiu, rindo. Batizada como Francisca Luciene, de Fortaleza, ela é hoje a irmã Angélica: virou freira e mora há 18 anos em Roma. Com uma mochila nas costas e uma enorme bandeira do Brasil na mão, a irmã disparou como uma maratonista tão logo os seguranças desfizeram o isolamento da praça:

- Eu já o conhecia das igrejas latinas aqui em Roma. Este é um Papa de espírito livre! - afirmou.

A velha rixa entre Argentina e Brasil desapareceu na praça. O Papa argentino seduziu até os brasileiros mais críticos, como o mineiro Giovanni Douglas, de 40 anos, que conta ter sofrido anos com "a paranoia da Igreja" contra os gays:

- A Igreja perdeu um pouco de credibilidade para mim. Vim aqui pelo momento histórico. Mas o Papa Francisco me passou uma energia muito forte - contou Giovanni, que trabalha em Roma como acompanhante de idosos.

Sentada num banco na Praça de São Pedro, a argentina Susana Sugar, de 77 anos, desabou em choro ao ver o Papa. Ela viajou de Buenos Aires para visitar sua filha, que estuda na cidade de Bolonha, e veio a Roma para a missa inaugural:

- Ele é muito diferente dos demais Papas. Creio que está mais consciente dos problemas do mundo, que vai poder arrumar os problemas da Igreja, aqui, no Brasil, por todos os lados.

Para o argentino Frederico Riquelme, de 44 anos, padre em Roma, o novo Papa é "diferente":

- Não digo que é melhor ou pior do que os outros, mas ele tem seu estilo próprio.

O padre paulista Patrick Longo Francischini, de 33 anos, dizia que os fiéis de sua paróquia, na cidade de Terni, fora de Roma, estão encantados com o Pontífice latino. Neste período de quaresma, seguindo uma tradição local, ele tem ido de casa em casa cumprimentar os fiéis:

- Não tem uma família que não me fale que está contente com o Papa Francisco. O carisma dele vai atrair muitas pessoas.

A cearense Francisca Renata da Silva, de 29 anos, que trabalha numa lavanderia em Roma e sonha em voltar ao Brasil para sustentar os quatro filhos, resumiu o que sentia num cartaz em que listou tudo o que o Papa Francisco fez: "Em apenas 24 horas, recusou a cruz de ouro, o carro de luxo, pagou a conta no hotel, exortou bispos a saírem de seus palácios...". Ela torce para que o Pontífice provoque uma mudança na Igreja Católica. Por conta dos escândalos de pedofilia e corrupção, Francisca diz que Rafael, seu filho mais velho, de 14 anos, abandonou o catolicismo e virou evangélico:

- Se tiver mudança, ele vai voltar a ser católico, eu espero.