Título: Ayres Britto diz que nunca detectou conluio no Judiciário
Autor: Castro, Juliana
Fonte: O Globo, 21/03/2013, País, p. 6

Ex-presidente do STF afirma que o Poder é de boa qualidade

Mesmo evitando comentar as declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Joaquim Barbosa, de que existe um conluio entre juízes e advogados, o ex-ministro Carlos Ayres Britto fez questão de afirmar ontem, após participar de evento no Rio, que nunca detectou essa combinação velada no Judiciário brasileiro. Ayres Britto presidiu o Supremo e o CNJ por sete meses e passou os dois cargos para Barbosa, em novembro do ano passado.

Anteontem, durante o julgamento do juiz do Piauí João Borges de Souza Filho no CNJ, Barbosa declarou que "esse conluio entre juízes e advogados é o que há de mais pernicioso". Afirmou ainda que ainda há muitos juízes para "colocar para fora" da magistratura. Ayres Britto disse que tinha lido "de relance" as declarações do ex-colega de Corte e que não queria entrar na discussão.

- No meu período de presidente, nunca identifiquei esse conluio, nem no meu período de ministro. Agora, não quero entrar no mérito desse discussão - declarou ele a jornalistas, após participar do seminário "A importância da liberdade de expressão no desenvolvimento de uma nação", promovido pelo Centro Global da Universidade de Columbia, no Rio, e o Instituto Palavra Aberta.

"cnj cumpre papel essencial"

O ex-presidente do STF e do CNJ, do qual foi membro por mais de nove anos, até ser aposentado da Corte em novembro de 2012, quando completou 70 anos, aproveitou para elogiar o Poder Judiciário. Ele afirmou que "no seu atacado institucional, o Poder Judiciário é de muito boa qualidade":

- Eu, pela experiência de vida, pelos elementos de que disponho, dados informativos, contatos pessoais, debates, o meu juízo sobre o Judiciário brasileiro é amplamente afirmativo. O Judiciário é de boa qualidade, e o país não tem motivos para maiores preocupações com seu Poder Judiciário. Há disfunções? Há distorções? Sem dúvida. E estão paulatinamente sendo objeto de corretivos. E o Conselho Nacional de Justiça cumpre um papel necessário, essencial e eminente na correção desses rumos.

OAB e entidades de juízes se reúnem

Sem querer entrar em polêmica sobre o tema, Ayres Britto evitou comentar outra declaração de Barbosa que também gerou reação de entidades que representam juízes: a de que as alianças veladas entre magistrados e advogados seriam a origem de casos de corrupção e se constituem em um dos aspectos mais nocivos da Justiça brasileira.

- Quanto ao mérito dessa discussão, eu prefiro não entrar. O meu testemunho de membro do Poder Judiciário durante nove anos e meio e de presidente é de que nunca detectei, nunca percebi esse conluio como característica central, absolutamente, do Poder Judiciário. E meu juízo sobre o Poder Judiciário brasileiro é favorável, é afirmativo. Temos um Judiciário de qualidade. O CNJ existe para isso e vem cumprindo muito bem seu papel.

Também ontem, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado, voltou a comentar as declarações de Barbosa. Disse que não se pode atacar categorias profissionais de forma coletiva, sem apontar más condutas e casos concretos. Marcus Vinicius se encontrou com os dirigentes da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que anteontem já haviam repudiado com veemência as afirmações do presidente do STF.

- Vivemos em uma sociedade plural, democrática e com direito de opinião livre. Contudo, é necessário evitar generalizações porque elas costumam atingir profissionais sérios e dedicados. Generalizações trazem injustiça - afirmou Marcus Vinicius, em resposta encaminhada por sua assessoria.

O presidente da OAB adiantou ainda que a ordem vai se manifestar, por meio de um ofício que será enviado ao presidente do STF, alertando que generalizações de condutas podem gerar desprestígio à magistratura, à advocacia e ao sistema de Justiça como um todo.

Marcus Vinicius ressaltou que o Estatuto da Advocacia assegura ao advogado o direito de ser recebido em audiência pelos magistrados:

- O direito de ser recebido em audiência é um direito legal neste país, e a OAB não admite que nenhum magistrado descumpra a lei.

Um dos temas tratados no encontro entre a OAB e as associações foi a implantação dos novos Tribunais Regionais Federais (TRFs) nas cidades de Belo Horizonte, Curitiba, Salvador e Manaus. A medida conta com o apoio da OAB, que diz que ela ajudaria a melhorar a prestação jurisdicional. Trata-se de um outro tema nos quais as entidades discordam de Barbosa. Para o presidente do STF, há um crescimento desenfreado na estrutura do Judiciário Federal no Brasil.