Título: Pagos, mas fora da escola
Autor: Berta, Rubens
Fonte: O Globo, 21/03/2013, Rio, p. 10

Estado tem 735 professores cedidos, mas não recebe por eles. Valor daria para erguer 6 colégios

Recursos suficientes para a construção de pelo menos seis novas escolas, com capacidade para mais de mil alunos cada, poderiam ser aplicados na rede estadual de ensino, caso uma regra, publicada em decreto pelo governador Sérgio Cabral, em janeiro de 2011, estivesse sendo cumprida. O texto determinava que a Secretaria de Educação teria de ser ressarcida pelo pagamento dos salários dos professores e dos funcionários de apoio administrativo dos colégios cedidos a outros órgãos. Só que, mais de dois anos depois, um levantamento feito pelo GLOBO mostra que nada menos do que R$ 33,3 milhões não foram devolvidos pelos serviços prestados por esses profissionais no período. Apesar disso, ainda há 735 docentes emprestados, quase o suficiente para cobrir o déficit atual nas salas de aula, estimado em 877. Outros 132 servidores de apoio também não retornaram.

Em nota, a Secretaria de Educação informou apenas que "faz a cobrança mensal do ressarcimento e que solicitará o retorno dos servidores cedidos cujos órgãos não vêm cumprindo o decreto". Uma análise da lista dos funcionários mostra que os problemas já começam no próprio Executivo. A maior parte deles está em outras secretarias e autarquias do governo estadual: 204, divididos em 34 órgãos. Individualmente, no entanto, é a Alerj que mais tem usado a mão de obra dos mestres. Até o fim do mês passado, eram 122 docentes à disposição basicamente dos gabinetes dos deputados. Outros 18 funcionários de apoio das escolas também estavam trabalhando para os parlamentares. O curioso é que, mesmo depois da publicação do decreto, nada foi pago pelo Legislativo à Secretaria de Educação, uma dívida que chega a R$ 9,6 milhões, o suficiente para a construção de duas escolas.

Alerj tem 122 docentes

Outro fato que chama a atenção é que, após a publicação do decreto, em 2011, houve uma queda significativa no total de servidores cedidos, que passou de 1.605 para os atuais 867, somando-se professores e funcionários. Na Alerj, porém, não ocorreu uma diminuição tão grande: antes do decreto, eram 128 docentes emprestados, passando aos atuais 122. Presidente da Casa, o deputado Paulo Melo (PMDB) disse, no início da tarde de ontem, que não havia recebido qualquer cobrança da Secretaria estadual de Educação e que, por isso, não pagou a dívida do parlamento.

- Todas as cobranças que chegam à Alerj têm sido prontamente pagas - disse o parlamentar.

No fim da tarde, no entanto, Melo admitiu que algumas cobranças referentes a funcionários cedidos foram enviadas à Alerj. Segundo ele, as contas serão repassadas à Mesa Diretora para que sejam pagas imediatamente. Quanto ao número de funcionários da secretaria cedidos aos deputados, ele afirmou que não tem muito o que fazer:

- Os parlamentares têm o direito de requisitar esses funcionários. Se o governo baixar um decreto proibindo a requisição, vamos devolvê-los todos. Caso contrário, não podemos fazer muita coisa.

O que Melo esquece é que ele mesmo informou ao GLOBO que um ato da Mesa Diretora, publicado em abril de 2011, estipulara em quatro o número máximo de professores, policiais ou médicos por gabinete, cujos custos seriam arcados pela Alerj. Em dívida com a Secretaria de Educação, hoje é o próprio gabinete da presidência que têm mais profissionais do órgão: 14.

Depois de Melo, vem o presidente da Comissão de Educação da Alerj, Comte Bittencourt (PPS), com seis profissionais da Secretaria de Educação à disposição. Ele afirmou que a cessão se justifica no auxílio de seu trabalho como parlamentar:

- O meu mandato tem o foco central na educação pública. Temos que ver também que os professores são, normalmente, um quadro qualificado. O fato de haver 735 cedidos não assusta muito, se formos comparar com o total de docentes na rede, que passa de 70 mil. Acho que a cessão do funcionário deve ocorrer se há um interesse público maior envolvido, que justifique a saída dele da sala de aula.

Com cinco funcionários cada, aparecem os deputados Rosenverg Reis (PMDB) e Graça Matos (PMDB), que sequer são suplentes da Comissão de Educação.

Só 20 órgãos cumprem decreto

Do total de 112 órgãos que estão utilizando os professores e funcionários de apoio da Secretaria de Educação, apenas 20 estão cumprindo o decreto que prevê o ressarcimento do valor dos salários, entre eles o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a Uerj e prefeituras como as de Piraí e de Macaé.

O levantamento feito pelo GLOBO mostra ainda que há 32 professores da rede estadual cedidos através de licença sindical, com vencimentos também pagos pela Secretaria de Educação. Diretora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe), Beatriz Lugão concorda que os cedidos a outros órgãos devem ter seus vencimentos ressarcidos à Secretaria de Educação, mas ressalta que o trabalho sindical é um direito constitucional:

- Os 32 professores cedidos para função sindical representam um número muito pequeno. Temos outras questões graves na rede, como o fato de os professores estarem saindo em massa. Somente nos dois primeiros meses do ano, 142 pediram exoneração. O salário inicial é muito baixo, cerca de mil reais por 16 horas semanais.

Em nota, a Secretaria de Educação informou que, "desde 2007, entraram na rede estadual 35 mil novos docentes, e 23 mil deixaram a rede (pedidos de exoneração a aposentadorias), com um saldo positivo de 12 mil". O órgão também destacou ações de incentivo ao magistério, como auxílios para transporte, qualificação e alimentação, além de bônus por metas.