Título: Brincadeira nota zero
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 22/03/2013, País, p. 3
O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Luiz Cláudio Costa, defendeu ontem que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) passe a dar nota zero para redações que contenham as chamadas inserções indevidas, como foi o caso de textos do Enem de 2012 revelados pelo GLOBO que citavam trechos de receita para Miojo ou do hino do Palmeiras. Ele afirmou que vai propor a mudança já para o Enem de 2013, mas ressalvou que será preciso verificar se é possível fazer isso sem prejudicar os alunos "sérios", dado o grau de subjetividade envolvido nesse tipo de avaliação.
- Quero separar o joio do trigo. E como é que eu separo? Tenho segurança de que não vou estar prejudicando o bom estudante? Se eu tiver essa segurança, nós vamos fazer, não tenha dúvida - disse o presidente do Inep, em sua primeira manifestação pública sobre o tema.
Costa afirmou que também irá consultar uma comissão de especialistas que assessoram o Inep sobre outro ponto revelado pelo GLOBO: a atribuição da nota máxima de 1.000 pontos a redações com erros graves de ortografia. Textos em que os candidatos escreveram palavras como enxergar com "ch" ("enchergar") e trouxe com "ss" ("trousse") receberam a nota máxima no Enem de 2012.
sem receita, nota alcançaria 800
Em relação a esse ponto, Costa disse que há diferentes correntes de pensamento entre os especialistas brasileiros. Segundo ele, as redações receberam 1.000 pontos porque revelavam domínio da norma culta, apesar dos erros de ortografia. O presidente do Inep destacou que o edital do Enem tolera alguns "desvios", como são chamados os erros, em textos considerados de excelente qualidade nas cinco competências avaliadas.
- O Inep, o MEC, o Estado brasileiro valorizam a norma culta. O estudante tem que ter domínio da norma culta. Agora o debate que está aí é o seguinte: o estudante faz uma produção textual excelente, mostra conhecimento de verbos, faz associações fantásticas, tem um bom vocabulário e, num determinado momento, comete um erro que pode ser até grave. Essa redação merece 1.000 ou não? É um bom debate - disse Costa.
Segundo o "Guia do participante: a redação no Enem 2012", produzido pelo Inep, "desvios mais graves, como a ausência de concordância verbal, excluem a redação da pontuação mais alta". Em uma das redações analisadas pelo GLOBO, aparecem problemas desse tipo, como nos trechos "Essas providências, no entanto, não deve (sic) ser expulsão" e "Os movimentos imigratórios para o Brasil no século XXI é (sic)".
Para o presidente do Inep, a situação é diferente no caso das inserções indevidas, já que, nesses casos, os candidatos teriam agido com deboche. Costa defendeu a atuação dos corretores, argumentando que o edital do Enem 2012 previa a penalização de quem desviasse do tema. No caso da redação em que o candidato dedicou um parágrafo a ensinar como se deve preparar um bom Miojo, ele disse que esse texto mereceria pelo menos 800 pontos, não fosse a brincadeira.
300 inserções indevidas no enem 2012
A anulação da prova, como Costa quer que ocorra daqui para a frente, só era prevista nos casos de total fuga ao tema. Segundo ele, tanto o texto do hino quanto o do Miojo apenas se desviaram do tema, sem fugir completamente. O Inep identificou 300 redações com inserções indevidas, num universo de 4,1 milhões de textos corrigidos. A nota máxima foi concedida a cerca de 2 mil redações.
- Tem um custo público para alguém fazer um exame. O Estado brasileiro está subsidiando esse exame para pessoas que, de fato, queiram fazer com seriedade. Por respeito aos demais participantes e ao Estado brasileiro, eu estou convencido disso (de que inserções indevidas devem receber nota zero).