Título: Água doce: conta salgada para metas cada vez mais distantes
Autor: Victor, Duilo
Fonte: O Globo, 22/03/2013, Ciência, p. 34

Quase dois em cada dez litros de água doce explorável no mundo estão em território nacional - segundo a Agência Nacional de Águas -, mas nem por isso os brasileiros podem achar que estão livres do desafio de evitar a escassez que bate a porta da Humanidade neste início de milênio. O Relatório da Unesco para o Dia Mundial da Água, celebrado ontem, informa que 780 milhões de pessoas no planeta não têm acesso à água limpa, e a rede de esgoto não chega para 2,5 bilhões de pessoas, o que mostra que o Brasil tem sua contribuição. O país dificilmente atingirá a Meta do Milênio da ONU em 2015, de reduzir o déficit de saneamento pela metade, em comparação com os números de 1990, de acordo com Paulo Libânio, assessor da diretoria de gestão de recursos hídricos da Agência Nacional de Águas.

O especialista calcula que, apenas para proteger áreas de mananciais pressionadas pela ocupação urbana e industrial, o Brasil terá que gastar R$ 50 bilhões nos próximos 12 anos. Para o Banco Mundial, a conta para eliminar o déficit de saneamento no Brasil, e não só em regiões de mananciais, exige R$ 330 bilhões até 2030. Mas, nas contas do escritório brasileiro da entidade, estamos com 55% do ritmo necessário de investimentos para a meta.

- O Brasil tem números impressionantes de reservas hídricas que, olhando por alto, parece confortável, mas a maior reserva está na Bacia Amazônica, e a maior parte da população não vive lá. O desafio para o futuro será de gestão - disse Libânio.

Só China teve 120 mil disputas

Como ferramentas de gestão, Libânio destaca os 200 Comitês de Bacia Hidrográficas, um instrumento possível a partir da Constituição de 1988, em que governo e sociedade civil têm assento para discutir o uso da água. Segundo a Unesco, entre seis e oito milhões de pessoas morrem anualmente no mundo por causa de desastres e doenças relacionadas à água. A competição pelo uso do recurso dentro dos países predomina desde 1990, segundo o documento. Neste período, houve mais de 120 mil disputas pela água apenas no território chinês, por motivos que vão de construção de represas à deterioração da qualidade da água por poluentes.

No mundo, 148 países têm rios que atravessam fronteiras, o que torna mais desafiador a arbitragem sobre o uso da água. No Brasil, segundo Marcos Thadeu Abicalil, especialista sênior em água e saneamento do Banco Mundial, conflitos pelo uso de mananciais também existem. Em Goiás, Santa Catarina e Rio Grande do Sul já houve precedente de disputa entre agroindústria e consumidores domésticos. Um quilo de carne bovina precisa de 15 mil litros de água; um quilo de arroz, outros 3.500 litros. Na verdade, 70% da água doce vão para a agricultura. Não bastasse isso, será preciso aumentar a produção de comida em 70% para suprir até dez bilhões de pessoas em 2050.

O país é um só, mas cada região tem seus desafios. No Norte, a pressão é pelo uso do potencial hídrico da Bacia Amazônica para geração de eletricidade. No Centro-Oeste, a expansão da fronteira agrícola pode impor uma necessidade ainda maior por água. No Nordeste, a necessidade é melhorar a infraestrutura para amenizar os efeitos da seca.

Pressão no Paraíba do Sul

Nas regiões Sul e Sudeste, o problema é a poluição e a ocupação demográfica e industrial de mananciais próximos de grandes cidades, cuja demanda por água não tem perspectiva de redução. O estado do Rio não tem risco de escassez imediata, mas a pressão de consumo e poluição que São Paulo exerce sobre a Bacia do Rio Paraíba do Sul causa reflexos no território fluminense.