Título: O recado de Dilma
Autor: Lins, Letícia; Lima, Maria
Fonte: O Globo, 26/03/2013, País, p. 3

Ao lado do governador de Pernambuco e presidente do PSB, Eduardo Campos - aliado do governo federal, mas pré-candidato à Presidência em 2014 -, a presidente Dilma Rousseff afirmou ontem que precisa de aliados comprometidos com seu projeto e cobrou parceria. A declaração foi dada em Serra Talhada (PE), no sertão pernambucano, no primeiro evento público do qual ela participou ao lado de Campos desde que ele lançou sua pré-candidatura ao Planalto, devendo ser um de seus adversários na disputa pela reeleição. Dilma não ia há 13 meses a Pernambuco e, por duas vezes, adiou a visita feita ontem.

- Este não será um país forte, desenvolvido, se não tivermos a determinação, a coragem de continuar por esse caminho. Esse caminho é de um país complexo, com tantas diferenças, grande e democrático. Somos uma das poucas regiões do mundo que há 150 anos vivemos em paz com nossos vizinhos. Mas, sobretudo, dessa capacidade de construir democraticamente uma coalizão para dirigir este país. Nenhuma força política sozinha é capaz de dirigir um país dessa complexidade. Precisamos de parceiros que sejam comprometidos com esse caminho - disse Dilma, ao inaugurar os primeiros 118 quilômetros dos 598 quilômetros da Adutora do Pajeú, que ligará o município de Floresta a Serra Talhada.

Dilma evita citar nome de campos

O primeiro trecho já está levando água desde janeiro para 90 mil sertanejos. Custeada pelo governo federal, a obra está estimada em R$ 547 milhões.

Dilma distribuiu 22 retroescavadeiras e 50 ônibus escolares. As máquinas beneficiarão cidades com até 50 mil habitantes. Ao contrário do que ocorria antes, Dilma quase não citou o nome de Campos, mas se referiu ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Já Campos moderou o discurso:

- Pernambuco a recebe com o respeito que lhe tributamos, deste estado que a recebeu e a ajudou a ser presidente da República. Recebemos com fraternidade, respeito, a biografia que o Brasil respeita, que é a da senhora - disse o governador.

Campos também elogiou indiretamente o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em seu discurso:

- Construímos fundamentos macroeconômicos importantes e, depois, com Lula, vimos essas condições fazerem o governo chegar aonde não chegava antes - disse Campos, que tem se aproximado de líderes tucanos e, semana passada, encontrou-se com o ex-candidato do PSDB à Presidência José Serra, com quem disse ter afinidades.

Nas últimas semanas, Campos vinha criticando o tímido desempenho da economia. Disse que se "pode fazer muito mais" e que é preciso se "ganhar, antes, 2013 para então se falar em ganhar 2014". Ontem, Dilma deu o troco. Listou o volume de investimentos que vem fazendo em Pernambuco (mais de R$ 60 bilhões) e anunciou novas obras (uma ferrovia, adutoras e outras de mobilidade). E convocou Campos e outros governadores da região para uma reunião em 2 de abril, em Fortaleza, para discutir a seca, a pior em 40 anos.

Se, no palanque em Serra Talhada, Dilma e Campos trocaram alfinetadas, mas evitaram passar um tom mais beligerante, o entorno do governador externou a irritação dos socialistas com a ideia de que Dilma estaria investindo dinheiro novo no estado. Segundo aliados, as verbas federais são vinculadas a obras antigas.

- Despejando dinheiro onde? Isso é dinheiro antigo, ainda do tempo de Lula, ou recursos de obras em andamento que, se o repasse não vier, param - disse um interlocutor de Campos, minimizando o impacto dos anúncios feitos por Dilma no reduto do socialista.

O tom foi reproduzido em Brasília.

- Foram inaugurados 20% da adutora, faltam 80%. Faremos uma festa maior ainda quando tudo estiver pronto. O governo federal precisa investir mais nos estados - disse o líder do PSB na Câmara, deputado Beto Albuquerque (RS).

Os integrantes do grupo de Campos dizem que houve uma guerra surda no palanque de ontem, apesar das imagens de cordialidade. Na verdade, afirmam, a relação entre Dilma e Campos azedou de vez, e o rompimento público está por um fio. O cancelamento do almoço que seria oferecido ontem pelo governador à comitiva da presidente, em Recife, dizem, evitou maiores constrangimentos. Um escudeiro do governador resumiu:

- Não tem mais ambiente para almoço ou jantar. As coisas estão muito ácidas dos dois lados.

Na cerimônia de ontem em Serra Talhada, o clima de campanha era visível: faixas foram distribuídas pela cidade. Algumas enalteciam Dilma, outras elogiavam o governador. As primeiras foram colocadas pelo PT, e as demais, pelo PSB. O prefeito Luciano Duque (PT) contratou dez ônibus para levar moradores ao evento. A menos de 200 metros do local do evento, um carro do Instituto Tecnológico de Pernambuco (Itep) foi flagrado distribuindo faixas pró-Campos às margens da BR-232. Uma garota, que não quis se identificar, disse que recebeu R$ 20 para sustentar a faixa até o fim da reunião. O secretário de Imprensa do governo, Evaldo Costa, afirmou que Campos desconhecia a iniciativa e que será punido o funcionário responsável por ela.