Título: Mudança histórica
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 27/03/2013, Economia, p. 23

O Senado aprovou ontem, por unanimidade, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que assegura aos domésticos direitos iguais aos dos demais trabalhadores. A PEC das domésticas, como ficou conhecida, entrará em vigor na próxima terça-feira, quando a nova legislação será promulgada pelo Congresso, em sessão solene. Assim, a categoria passará a ter direito, imediatamente, à jornada diária de oito horas. O que exceder será hora extra e deve ser pago com 50% sobre a hora normal. Outros benefícios, como FGTS obrigatório, adicional noturno, salário família e assistência gratuita aos filhos dependentes de até 6 anos, exigirão regulamentação. O Brasil tem 6,653 milhões de trabalhadores no serviço doméstico e apenas 30,6% são formalizados.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi criada há 70 anos, mas só agora as domésticas terão os mesmos direitos dos outros trabalhadores.

Para compensar parte dos aumentos de custos que os empregadores terão, o governo estuda reduzir a contribuição patronal para o INSS de 12% para 7% ou 8%. Simulação feita com base num salário de R$ 1.000 mostra que uma hora extra diária de serviço doméstico, mais o FGTS, pode representar um acréscimo de 23% no custo do empregador.

Ainda há dúvidas sobre medidas

Segundo o ministro do Trabalho, Manoel Dias, o que depender da pasta será regulamentado em, no máximo, 90 dias. Ele disse que já há um grupo de trabalho analisando o que precisa ser feito para implementar as novas medidas e a ideia é chamar outras áreas de governo, como a Previdência e a Secretaria de Políticas para Mulheres:

- Vamos trabalhar para implementar as medidas o mais rápido possível.

O ministro da Previdência, Garibaldi Alves, disse que os técnicos estão analisando o que precisa ser feito para assegurar aos domésticos salário família e seguro contra acidente de trabalho, benefícios previdenciários. Para ele, o impacto do salário família nas contas da Previdência será de R$ 300 milhões por ano.

A senadora Lídice da Mata (PSB-BA), relatora da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado, reconheceu que há uma série de dúvidas sobre os direitos que entram em vigor imediatamente e o que dependerá de regulamentação. Por exemplo, como controlar a jornada de trabalho? Mas, segundo ela, isso já era esperado, diante de uma alteração profunda na Constituição, que vai exigir mudança de cultura dos empregadores:

- Os empregadores estão assustados com o controle da jornada, mas há que prevalecer o bom senso. Na maioria das vezes, os empregados entram às 8h e saem as 18h . É claro que mecanismos de compensação como bancos de horas resolvem e deverão ser aceitos pelo Ministério do Trabalho - disse ela.

Hoje, a partir das 15h, o site do GLOBO fará um bate-papo ao vivo com um especialista em direito trabalhista e previdenciário do escritório Siqueira Castro Advogados, para tirar dúvidas dos leitores sobre as mudanças na legislação.

A PEC foi apresentada em 2010 pelo deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT) e, em 2011, com a Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do qual o Brasil é signatário, a proposta ganhou celeridade. Passou em dois turnos pela Câmara em dezembro do ano passado e foi votada pelo Senado, em dois turnos, em apenas uma semana. Parlamentares de todos os partidos foram favoráveis, com longos discursos ontem no Senado sobre a importância histórica da votação. Estiveram presentes as ministras da Secretaria de Mulheres, Eleonora Menicucci, Luiza Bairros (da Igualdade Racial) e a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Delaíde Miranda Arantes e a deputada Benedita da Silva (PT-RJ).

QUEM SE ENQUADRA

• Cozinheiro, governanta, babá, lavadeira, faxineiro, vigia, jardineiro, motorista particular e acompanhante de idosos

O QUE JÁ ERA GARANTIDO

• carteira de trabalho assinada • salário mínimo • irredutibilidade do salário • 13º salário • repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos • folga nos feriados civis e religiosos • férias de 30 dias remuneradas • férias proporcionais, no término do contrato de trabalho • estabilidade no emprego na gravidez • licença à gestante • licença-paternidade de cinco dias • auxílio-doença pago pelo INSS • aviso prévio de 30 dias • aposentadoria • vale-transporte • FGTS opcional • seguro-desemprego (para quem recolhe FGTS, de até três parcelas correspondentes ao mínimo)

DIREITOS ASSEGURADOS PELA PEC

Entram em vigor imediatamente: • salário mínimo • jornada regulamentar diária de até 8 horas e semanal de 44 horas • hora extra de 50% sobre a hora normal • redução dos riscos de trabalho • proibição de diferença de salário, função e critério de admissão devido a sexo, idade, cor, estado civil e deficiência • proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre para menor de 18 anos

Precisam de regulamentação: • reconhecimento de convenções e acordos coletivos de trabalho • assistência gratuita a filhos de até 6 anos em creches e pré-escolas • Seguro-desemprego • FGTS obrigatório e multa de 40% sobre o saldo do Fundo nas demissões sem justa causa • adicional noturno (20% sobre a hora normal) • salário-família • seguro contra acidente de trabalho • seguro-desemprego

PRINCIPAIS DÚVIDAS

HORAS NÃO TRABALHADAS AO SÁBADO PODEM SER COMPENSADAS NA SEMANA?

Sim, os especialistas acreditam que pode ser ser feito um acordo para compensação das horas de quem não trabalha o sábado. O ideal é que o acordo seja feito por escrito, porque em caso de problema, fica mais fácil provar o que foi combinado.

EXISTE UM LIMITE MÁXIMO DE HORAS EXTRAS?

Em casos excepcionais não, mas quando se trata de horas extras habituais, a CLT determina que sejam no máximo duas horas extras diárias. Por isso, a orientação para esse tipo de acordo que a jornada diária não passe de 10 horas, período que já inclua as horas extras e as horas compensadas dos sábado, por exemplo.

POSSO COMBINAR HORAS EXTRAS QUE SERÃO FEITAS TODOS OS DIAS?

Sim, são as chamadas horas extras habituais. Mas essa combinação deve estar registrada em acordo escrito e o recibo de pagamento deve discriminar separadamente, o valor do salário e a parcela das horas extras.

PRECISO PAGAR INSS SOBRE AS HORAS EXTRAS?

Sim, as horas extras entram na conta na hora de calcular o INSS , o FGTS e as férias, o adicional de férias e 13º salário. No caso desses últimos, o cálculo será baseado na média de horas extras feitas durante o ano

COMO VOU CONTROLAR A JORNADA DA MINHA EMPREGADA?

A maioria dos especialistas aconselha que seja usado um livro de ponto, onde o empregado assine os horários de entrada, saída e intervalos

POSSO FAZER CONTRATO DE EXPERIÊNCIA DE DOMÉSTICA?

Pode e, após a nova legislação, deve. Esse contrato precisa ser feito por escrito, terá duração máxima de 90 dias e não dispensa o registro em carteira. A diferença é que, em caso de demissão, não é preciso pagar o aviso-prévio e nem a mult a de 40% sobre o saldo do FGTS.