Título: Com novas relações trabalhistas, espaço sagrado está em xeque
Autor: Spitz, Clarice
Fonte: O Globo, 27/03/2013, Economia, p. 24

Além de significar um aumento de custos, a aprovação das novas regras dos trabalhadores domésticos traz uma mudança cultural nas relações de trabalho entre patrões e empregados no país. Carla Barros, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), com tese de doutorado sobre relações de consumo, é uma especialista no comportamento de empregadas domésticas e considera que a formalização de uma relação que até agora se deu no campo pessoal mexe com a estrutura social brasileira.

Entre os novos direitos, sobretudo a fixação da jornada de trabalho em oito horas diárias, que passa a valer assim que a lei for promulgada, ela vê uma invasão "do sagrado local da casa brasileira".

- Passar de uma relação personalista para uma relação impessoal é muito doloroso porque acontece no ambiente doméstico, na casa das pessoas, onde elas estão acostumadas a ter algum tipo de sentimento de dominação - afirma.

Carla considera que os patrões se assustam com a ideia de contrato já que não são empresas e preferem manter a ideia de que podem "compensar" o empregado, mesmo que a remuneração seja pequena.

- Mas nesse antigo esquema, o empregado depende do bom patrão - afirma.

Ela diz que o "estresse" da classe média empregadora é intensificado pelo fato de a oferta de mão de obra estar restrita. Com aumento da escolaridade, muitos ex-domésticos preferem buscar outras profissões.

- Deixar de ter uma empregada é um pequeno grande drama na casa das pessoas porque não temos estrutura social para deixar as crianças.

Para o psicanalista e produtor cultural José Inácio Parente, a falta de uma equiparação entre domésticas e demais empregados criava até agora um ambiente aparentemente afetivo entre famílias e empregados, mas sempre desfavorável aos domésticos.

- Esses climas muitas vezes escondem uma submissão sob forma de afeto e podiam ser quebrados a qualquer momento pelos patrões - afirma Parente. - Os afetos devem ter como lema que "boas contas geram bons amigos".

O frei David, da ONG Educafro, religioso que se tornou símbolo da luta dos negros nas cotas universitárias, acredita em uma resistência na obtenção de direitos pelas domésticas, com pequenas estratégias para burlar a lei.

- As tentativas de agrados como tomar o café da manhã junto com o funcionário vão ser intensificados na tentativa de não dar cidadania às domésticas. Temos que incentivar um trabalho com os sindicatos para reduzir esses acordos verbais e agrados. Essas pessoas precisam de cidadania.