Título: Impasse indígena
Autor: Cariello, Gabriel; Carvalho, Gustavo
Fonte: O Globo, 25/03/2013, Rio, p. 6

Grupo que ocupou museu em Botafogo por 16 horas rejeita hospedagem em albergue na Glória

Gabriel Cariello, Gustavo Carvalho, Isabel Araujo e Marina Morena

Sem decisão

Após mais de sete horas de negociação na sede da Justiça Federal e a oferta da Fundação Nacional do Índio (Funai) de hospedagem por quatro dias num albergue na Glória, 21 indígenas - sendo duas crianças - deixaram o tribunal, no fim da tarde de ontem, sem aceitar qualquer acordo. O grupo, retirado da Aldeia Maracanã após violento confronto na sexta-feira, ocupou o Museu do Índio, em Botafogo, na tarde de sábado. Os indígenas também não quiseram ir para um alojamento oferecido pelo governo do estado em Jacarepaguá. Na tarde de hoje, eles pretendem buscar o apoio do Ministério Público Federal (MPF) e participam de uma reunião no escritório do advogado que representa o grupo para definir os próximos passos da mobilização. Insistem em voltar para o antigo Museu do Índio, no Maracanã, onde será instalado o Museu Olímpico.

Na tarde de sábado, 21 índios e cerca de 40 manifestantes entraram no Museu do Índio, em Botafogo, e se recusaram a sair de lá após o fechamento. Segundo o líder dos indígenas, o índio Urutau, da etnia Guajajara, o grupo foi até o local para visitá-lo e pedir o apoio do diretor do museu, José Carlos Levinho, para a volta à Aldeia Maracanã. Diante da ausência de Levinho, os índios e os simpatizantes decidiram ficar no imóvel. Policiais federias e dos batalhões de Choque e de Operações Especiais (Bope) foram mobilizados, após denúncia dos vizinhos do museu. A Rua das Palmeiras, onde fica o museu, ficou fechada por quatro horas. A saída do grupo, depois de 15 horas de ocupação, foi mediada pelo juiz federal Wilson José Witzel, que decretou a prisão dos manifestantes, mas revogou-a em seguida após um acordo para a desocupação do espaço. O grupo foi levado para a sede da Justiça Federal em dois ônibus da PM por volta de 7h30m. O juiz convocou um representante da Funai e uma procuradora do MPF para uma audiência de conciliação pública.

Juiz adota tom conciliador

Indignada com a oferta da Funai de serem hospedados em um albergue, a índia Márcia Guajajara fez um desabafo na porta da Justiça Federal, ao sair da audiência.

- Não estamos negociando hospedagem. Queremos preservar um centro histórico. Também não queremos ir para Jacarepaguá. Lá ficaremos escondidos. Queremos mostrar nossa cultura, ficar em um local com visibilidade - protestou.

Desde o começo da negociação de ontem com os índios, o juiz federal Witzel adotou um tom conciliador. O magistrado abriu seu gabinete para o grupo por volta das 8h. Afável, chegou a pegar no colo a filha de um dos indígenas, Sarri, de apenas 2 anos. A menina roubava a atenção brincando com as câmeras dos fotógrafos e até mesmo com o juiz. Do lado de fora, foi servido um café da manhã para o grupo. Ao final da audiência, o juiz Witzel, solidário à causa dos índios, se comprometeu a relatar pessoalmente ao desembargador federal Marcus Abraham suas impressões sobre a situação vivenciada pelos índios e a importância da preservação do monumento indígena localizado na aldeia do Maracanã, ao qual se referiu como sendo fundamental. A ordem para a remoção dos índios da propriedade do antigo museu é do desembargador Abraham.

- Infelizmente não está sob minha jurisdição, mas, com certeza, estará em hábeis mãos de magistrados do TRF, que possuem grande capacidade intelectual e moral para buscar a melhor solução - concluiu o juiz.

A audiência de conciliação teve a presença da procuradora da República Marylucy Santiago Barra e do ouvidor da Funai Paulo Celso de Oliveira, que veio de Brasília para a negociação. O advogado dos índios, André de Paula, elogiou muito a atuação e interesse do magistrado pela causa dos indígenas. Pela manhã, o advogado apresentou a sede do Laboratório Nacional Agropecuário (Lanagro), no mesmo terreno da Aldeia Maracanã, como alternativa para a moradia dos índios. Com a falta de alternativas propostas pela Funai, o juiz Witzel determinou uma inspeção na sede da Lanagro, fato que foi comemorado com palmas e gritos pela plateia. Depois da vistoria, realizada por volta de 13h30m, o magistrado constatou que o local não oferece condições seguras para os indígenas e voltou à sede da Justiça Federal para nova audiência, de portas fechadas.

Líder dos indígenas, Urutau Guajajara disse que a única solução aceita pelo grupo é a reintegração de posse da Aldeia Maracanã. Ele ressaltou que o encontro com integrantes da Funai era algo histórico, no começo da reunião de conciliação. Ao fim do encontro, decepcionado, disse que a Funai não lhes representa:

- Não estou defendendo nossa casa, mas nosso patrimônio. É a minha história e a dos meus ancestrais que estão naquele lugar. E patrimônio não se vende - discursou Urutau.

O ouvidor da Funai Paulo Celso de Oliveira, que é índio da etnia Pancararu, disse que é competência estadual encontrar alternativa para essa questão.