Título: Curto-circuito no mercado
Autor: Farah, Tatiana; Haidar, Daniel; D'Ercole, Ronaldo
Fonte: O Globo, 28/03/2013, Economia, p. 19

Dilma fala sobre inflação, juro futuro cai e presidente diz que declaração foi "manipulada"

Depois de afirmar ontem que não sacrificará o crescimento econômico para conter a inflação e ver a reação do mercado, refletida em queda dos juros futuros, a presidente Dilma Rousseff disse que teve suas declarações "manipuladas" por "agentes de mercado". No encerramento da V Cúpula dos Brics (grupo que reúne Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul), em Durban, na África do Sul, Dilma afirmou pela manhã que "as vozes de sempre" pediam medidas de controle da inflação que implicavam a redução do crescimento econômico, mas que esse era "um receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença". Mas, à tarde, após uma queda dos juros no mercado financeiro, ela pediu que sua assessoria reunisse os repórteres para dizer que suas declarações haviam sido manipuladas.

Dilma argumentou que um crescimento mais baixo nem sempre vem acompanhado de queda da inflação.

- Não concordo com políticas de combate à inflação que olhem a questão da redução do crescimento econômico, até porque nós temos uma contraprova dada pela realidade. Nós tivemos um baixo crescimento no ano passado e houve um aumento da inflação porque teve um choque de oferta devido à crise. Um dos fatores era externo - disse a presidente, pela manhã.

Acompanhada dos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Fernando Pimentel (Desenvolvimento), e do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, Dilma disse que costumava deixar as "questões específicas sobre inflação" para o ministro da Fazenda, mas lembrou medidas para conter a alta dos preços e diminuir o custo do trabalho, como a desoneração da cesta básica e da folha de pagamento, e queda na conta de luz.

- Acredito no seguinte: esse receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença é complicado. Eu vou acabar com o crescimento do país? Isso daí está datado, isso eu acho que é uma política superada. Agora, isso não significa que o governo não está atento e acompanha diuturnamente essa questão da inflação. Nós não achamos que a inflação está fora de controle, mas nós estaremos sempre atentos - disse.

reação imediata no mercado de juros

As declarações de Dilma vieram após economistas terem defendido uma alta dos juros, mesmo que à custa de aumento do desemprego e de freio no crescimento, para reduzir a inflação. E, tão logo acabou a entrevista, pela manhã no Brasil, o mercado financeiro reagiu. A taxa de juros futuros caiu de 7,77% ao ano nos contratos DI para janeiro de 2014 (os mais negociados) para 7,72%.

Analistas do mercado começaram a avaliar que a presidente estava sendo leniente com a inflação para não sacrificar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país), depois de a economia ter crescido só 0,9% em 2012.

A reação do governo veio à tarde. Tombini, do BC, foi escalado para "esclarecer" as declarações da presidente e ressaltar que, se for preciso, o BC vai usar instrumentos de política monetária, como a elevação dos juros. A própria Dilma se manifestou, primeiro pelo Blog do Planalto, afirmando que suas declarações foram "manipuladas": "Foi uma manipulação inadmissível de minha fala. O combate à inflação é um valor em si mesmo e permanente do meu governo".

O comunicado oficial diz que a explicação de Dilma foi dada depois de ela ser informada que o mercado interpretou de forma equivocada suas declarações.

Em seguida, na África do Sul, Dilma, que estava em um resort a 40 km do centro de convenções onde estavam os jornalistas, determinou que sua assessoria buscasse os repórteres. O resort, até aquele momento, estava vetado aos meios de comunicação, pois abrigaria a reunião de Dilma com o presidente da China, Xi Jinping. Eram mais de 21h em Durban, cinco a mais que no Brasil.

- Só repudio a manipulação. A notícia que saiu é manipulada. Eu sou uma pessoa que já escrevi até, e vocês anunciaram, que o combate à inflação é um valor em si - afirmou Dilma, sem parar para falar com os jornalistas, cercada de ministros e por Tombini.

Economistas veem ingerência

A afirmação inicial de Dilma de que a inflação está "sob controle" e que não vale sacrificar o crescimento pela estabilidade dos preços foi considerada um sinal de enfraquecimento da autonomia do BC para combater a inflação.

- Na forma da lei brasileira, a responsabilidade pela política monetária cabe ao presidente do BC, tanto que está em vigor um decreto definindo o regime de metas. A presidente pode mudar de ideia a qualquer tempo e implementar outro sistema, ou nenhum. O fato é que, ao enfraquecer a independência do BC, atrai para si toda a responsabilidade pela inflação. Eu não creio que valha a pena - disse Gustavo Franco, ex-presidente do BC e sócio-diretor da gestora Rio Bravo.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, disse que o "padrão de crescimento baixo e inflação alta" estava sancionado pela declaração da presidente.

- Também deve tranquilizar o BC, que estava sendo colocado na parede para subir os juros e agora teve a ordem direta da presidente de começar a esquecer esse assunto desagradável - ironizou Vale, antes das novas declarações.

Segundo Fernando Sampaio, sócio-diretor da LCA, a presidente cedeu às provocações dos que defendem uma alta de juros mesmo com demissões:

- Era desnecessário a presidente entrar nessa polêmica. Não existe hipótese de voltar à política econômica anterior em que o BC tinha relação de quase hostilidade com a equipe econômica.

Para Thaís Marzola Zara, da Rosenberg & Associados, a declaração da presidente põe em xeque o mandato do BC:

- Temos uma deterioração grande da inflação que, em condições normais, exigiria medidas do BC. A fala da presidente agora põe um ponto de interrogação.

PIB FRACO ADIA MELHORA DA NOTA DO PAÍS, DIZ FITCH

-SÃO PAULO E BRASÍLIA- A desaceleração mais prolongada da economia e uma política fiscal expansionista impedem a redução da dívida pública brasileira e deve atrasar uma nova melhoria na avaliação de risco do país, de acordo com relatório divulgado ontem pela agência Fitch Ratings. De acordo com a Fitch, esses fatores evitam queda de indicadores como a dívida em relação ao PIB e pagamento de juros frente à arrecadação, taxas que continuam acima da média de países com a mesma nota do Brasil: "BBB". Por isso, não há perspectiva de melhora imediata. Shelly Shetty, chefe da área de risco soberano para a América Latina da Fitch, associa a baixa performance da economia brasileira nos últimos dois anos a fatores cíclicos (como a política econômica mais restritiva de 2011, quando o governo elevou os juros) e estruturais (que incluem o baixo crescimento global e a queda de preços das commodities). "Por outro lado, fatores estruturais como um ambiente de negócios desfavorável, elevada carga tributária, leis trabalhistas inflexíveis e gargalos de infraestrutura têm levado à queda na produtividade e no ritmo de expansão dos investimentos, diminuindo a tendência de crescimento do Brasil", diz Shetty. Para a agência, novas reformas estruturais e uma melhora na dinâmica de crescimento ajudaria o país a elevar sua nota. As contas públicas, que estão atrasando a melhora da nota do Brasil segundo a Fitch, não vieram bem em fevereiro. Depois de começar 2013 com um superávit primário recorde para meses de janeiro, o governo central (composto por Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) registrou déficit primário de R$ 6,4 bilhões em fevereiro. O valor é o pior já registrado para o segundo mês do ano. Segundo o secretário do Tesouro, Arno Augustin, os resultados tanto de janeiro quanto de fevereiro são atípicos e não podem ser vistos como uma tendência para o ano, pois houve forte arrecadação em janeiro, seguido de repasse alto para estados e municípios. Em resposta à Fitch, Augustin afirmou que a economia brasileira tem fundamentos sólidos que estão refletidos no prêmio de risco baixo que o país tem hoje. — As agências de rating têm sua metodologia. Não sei o que A, B ou C vai fazer. Mas o Brasil continua sendo um país com fundamentos expressos no prêmio de risco e que são melhores que as notas que o país recebe. Augustin disse que o Tesouro ainda planeja emitir títulos no exterior, mas admitiu que as turbulências atuais na Europa adiaram a operação.