Título: No Rio, homicídios apontam para conivência
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 31/03/2013, País, p. 5

Polícia investiga envolvimento de funcionários de cartórios em dois assassinatos na Região dos Lagos

A Polícia fluminense investiga o envolvimento de funcionários de cartórios extrajudiciais da Região dos Lagos nos assassinatos do empresário aposentado Luís Lesuir de Mendonça e da dona de casa Aldeir da Silva Gomes, ambos idosos, que moravam em Araruama. Os suspeitos dos crimes fariam parte de uma quadrilha que atua na região, especializada na aquisição fraudulenta de imóveis. Os marginais compram a propriedade de pessoas idosas, dão um cheque sem fundos e depois matam os donos.

Idosos como alvo

As suspeitas, se confirmadas, revelam a face mais violenta da máfia que os mecanismos de fiscalização dos cartórios fluminenses não conseguem debelar. Em 2007, uma investigação conjunta envolvendo a Corregedoria Geral da Justiça do Rio e policiais civis já identificara o mesmo golpe, porém sem assassinatos. Esse foi um dos problemas encontrados na época em 15% dos 532 cartórios que operavam no Estado do Rio.

De janeiro a setembro daquele ano, foram feitas 380 fiscalizações nos serviços prestados pelos cartórios do Rio, constatando fraudes e irregularidades em 65 deles. Em boa parte dos casos, foram instaurados processos administrativos e disciplinares, além de inquéritos policiais.

A polícia descobriu, na época, que a ação das quadrilhas começava com os "perdigueiros", pessoas que se faziam passar por corretores ou escreventes. Elas escolhiam cuidadosamente as vítimas do golpe, no caso a venda do imóvel para um terceiro. Os alvos eram quase sempre idosos ou imóveis que pertenciam a pessoas já falecidas, sem parentes próximos. Os cartórios escolhidos, segundo as investigações, eram necessariamente coniventes com as fraudes.

Os cartórios extrajudiciais fluminenses acumulam um histórico de problemas. No ano passado, por 12 votos a dois, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) puniu com aposentadoria compulsória, a pena máxima em um processo disciplinar, o ex-corregedor-geral do Tribunal de Justiça desembargador Roberto Wider. Ele foi condenado por ter nomeado para comandar cartórios do Rio dois advogados sem a necessidade de aprovação em concurso público. O CNJ também decidiu anular o 41º Concurso Público para admissão nas atividades notariais e/ou registrais, organizado pela Corregedoria Geral.

Embora o Rio de Janeiro esteja entre os estados com custas cartoriais mais altos do país, e 20% desse faturamento seja repassado ao Tribunal de Justiça para, entre outros destinos, intensificar a fiscalização dos próprios cartórios, o sistema se vê, mais uma vez, diante de um escândalo. O engenheiro Luís Lesuir Mendonça foi executado provavelmente no dia 15 de março, na Estrada do Corte, depois de assinar um instrumento particular de compra e venda em favor de Paulo Sérgio de Souza, um dos supostos assassinos.

De acordo com as investigações, Paulo Sérgio entregou para a vítima um cheque sem fundos, no valor de R$ 100 mil, como primeira parcela do negócio. Segundo a polícia, Luís desapareceu quando tentava apresentar o cheque ao banco. Luís foi sequestrado, esfaqueado e enterrado ainda com vida por Paulo Sérgio e um comparsa, Jones Patrick Azevedo Coutinho.

Corpo encontrado

Há dois anos, Aldeir da Silva Gomes desapareceu nas mesmas circunstâncias. Fez uma procuração para um compromisso de compra e venda de um imóvel em nome de Paulo Sérgio. O suspeito conseguiu vender o imóvel. A ossada de uma mulher foi encontrada na última quarta-feira em terreno do bairro Praia do Hospício, em Araruama. Segundo investigações da polícia, Aldeir foi enterrada no local em 2010 por Paulo Sérgio, que confessou o crime.

A suspeita de envolvimento de cartórios surgiu com a conexão entre os dois crimes. A polícia constatou que Paulo Sérgio, depois de matar Aldeir, conseguiu vender o imóvel da vítima. A presidente do Tribunal de Justiça, Leila Mariano, pediu uma busca da Corregedoria de Justiça nos cartórios da Região dos Lagos.