Título: Esquecer é vergonha
Autor: Barbosa, Flávia
Fonte: O Globo, 29/03/2013, Mundo, p. 25

Receoso de uma derrota no Congresso, Obama reforça ofensiva por legislação mais restritiva

Promessa renovada. Obama recebe parentes de vítimas de tiroteios na Casa Branca e diz que seria "uma vergonha" esquecer o massacre da escola de Newton, em dezembro: republicanos e até democratas ameaçam veto a lei

CONTROLE DE ARMAS NOS EUA

Temendo uma derrota ampla no Congresso, o presidente Barack Obama lançou ontem nova ofensiva pelo controle mais rigoroso da venda de armas nos Estados Unidos. Ele afirmou que será "uma vergonha" se os EUA esquecerem o massacre da escola de Newtown, em dezembro passado, e não aprovarem no próximo mês uma legislação mais restritiva para porte e comercialização de armamento. Obama incentivou os cidadãos a interpelarem diretamente seus representantes na Câmara e no Senado e desafiou os congressistas a "não serem moles" diante do que considera a melhor chance em uma década "para dar passos, dentro do senso comum, que salvarão vidas".

Na Casa Branca, ele estava cercado por parentes e professores de vítimas de violência com armas de fogo em vários massacres. A solenidade era parte de um dos mais de 120 eventos do dia nacional pela ação do poder público, organizado pelo grupo Prefeitos contra Armas Ilegais.

- Quero garantir que todos os americanos ouçam. Há menos de 100 dias (o massacre de Newtown) ocorreu, e o país inteiro ficou em choque, jurou que tomaria uma atitude e que desta vez seria diferente. Será uma vergonha se tivermos esquecido. Eu não esqueci daquelas crianças. Será uma vergonha se tivermos esquecido - disse um presidente que, por vezes, pareceu irritado, ao lado do vice Joe Biden.

Desde o fim de 2012, a aprovação a medidas mais restritivas, incluindo a proibição da venda de armas semiautomáticas, caiu de 57% para 47%, segundo a rede CBS - ainda que 33 americanos sejam mortos por armas de fogo diariamente. E o aumento da resistência republicana no Congresso acompanha essa tendência.

CHECAGEM DE ANTECEDENTES EM PAUTA

Tanto Obama quanto ONGs querem evitar a perda de "momento" - com a saída de Newtown do noticiário - e aumentar a pressão sobre o Congresso para que, ao menos, seja aprovada a checagem universal de antecedentes na comercialização de armas em lojas, internet, feiras e negócios entre pessoas físicas.

Na semana passada, o líder da maioria no Senado, o democrata Harry Reid, apresentou o rascunho do projeto que será debatido a partir do dia 8. Reconhecendo resistências mesmo dentro de seu partido, ele excluiu a proibição de armas semiautomáticas e pentes de alta capacidade do texto - esvaziando as recomendações da força-tarefa liderada por Joe Biden.

Esse tópico sempre foi considerado o mais difícil de passar, diante do poderoso lobby da Associação Nacional de Rifles (NRA, na sigla em inglês), que tem enorme influência nos estados do Sul e nas áreas rurais e é uma importante doadora de campanhas de políticos conservadores. Por isso, até as ONGs têm colocado o foco na verificação de antecedentes e na formação de um banco nacional que permita o monitoramento da venda.

Mesmo assim, a tarefa não será simples. O senador Marco Rubio e o deputado Paul Ryan, presidenciáveis republicanos em 2016, anunciaram disposição de criar obstáculos, com instrumentos legislativos, para artigos que considerarem um ataque ao direito constitucional dos americanos.

Organizações e governo também querem avançar nas penas para quem compra armas para terceiros que não passariam pela checagem, como pessoas em liberdade condicional ou com saúde mental questionável. A avaliação é que a aprovação de leis mais duras no combate ao tráfico de armas será consensual.

Obama listou ontem as várias iniciativas consideradas pelo Congresso, demonstrando que a Casa Branca não desistiu de ver uma emenda que inclua a proibição de semiautomáticas. Mas também centrou atenção na checagem universal. Ele defendeu não ser possível ter 40% do comércio de armas sem monitoramento e lembrou que 90% dos americanos defendem um aperto neste tipo de controle - 80% entre os republicanos.

- Com que frequência 90% dos americanos concordam em alguma coisa? Não há absolutamente qualquer razão para não passar a medida - brincou Obama.

Um dos motivos da ofensiva renovada é aproveitar que deputados e senadores estão de volta nesta semana, durante o recesso de Páscoa. Para o presidente, "não bastam lágrimas, solidariedade e discursos". É preciso agir:

- Precisamos que todos se lembrem como nos sentimos há 100 dias e garantam que o que dissemos naquela oportunidade não foi só um bando de platitudes.

Dos parlamentares, cobrou diretamente cooperação e senso comum.

- Nenhuma dessas ideias (de aperto no controle de armas) deveria ser controversa. Por que não haveríamos de querer tornar mais difícil que uma pessoa perigosa ponha suas mãos numa arma? - questionou.