Título: Gado protegido
Autor:
Fonte: O Globo, 29/03/2013, Ciência, p. 26

Nova vacina contra febre aftosa bovina pode ser aplicada também para doenças humanas

Combatida com tecnologias desenvolvidas há mais de 50 anos, a febre aftosa para gado ganhou uma nova vacina, sintética, tornando sua produção menos arriscada e acessível para países em desenvolvimento da África e da Ásia, continentes em que a doença é endêmica. Surtos da enfermidade não são incomuns mesmo nos países mais ricos e podem provocar prejuízos de até US$ 100 bilhões, além de desencadear crises globais na exportação de carne.

O método, estudado por uma equipe britânica, poderá ser aproveitado para combater outros vírus da mesma família e que afetam os humanos, como o poliovírus, transmissor da poliomelite, que acomete principalmente crianças, e da febre aftosa humana, muito presente no Sudeste Asiático.

A vacina sintética, sem o vírus vivo, foi criada a pedido do Conselho de Pesquisas em Biologia e de Ciências Biológicas do Reino Unido, após um surto de febre aftosa atingir o país em 2001 e provocar um prejuízo de bilhões de libras com medidas de controle à doença e reparos.

- Havia uma demanda por novas abordagens para conter o avanço do vírus, caso ele se manifestasse novamente - revela o veterinário Bryan Charleston, um dos criadores da vacina, cuja pesquisa foi descrita na edição desta semana da revista "PLOS Pathogens".

A maior vantagem da vacina concebida agora é que sua produção, ao contrário dos produtos disponíveis atualmente no mercado, não exige uma pequena dose do vírus ainda vivo e contagioso - "algo como um incêndio selvagem", como foi comparado pelos pesquisadores. Esta porção, quando injetada, estimula a produção de anticorpos no sistema imunológico.

Método mais acessível

Os pesquisadores britânicos não usaram o genoma infeccioso. Ele foi substituído pela análise de partículas atômicas do vírus. Daí foi desenvolvido um produto que é carregado por cápsulas de proteína vazias até o organismo bovino, instigando a criação de uma defesa contra a doença.

Sem a necessidade de criar o vírus para desenvolver a vacina, laboratórios com mecanismos de segurança menos complexos poderão abrir suas linhas de produção. Este é um desejo dos cientistas envolvidos no projeto, que conhecem os prejuízos causados pela doença nos países em desenvolvimento.

- É possível imaginar fábricas locais sendo criadas em grandes partes do mundo onde a febre aftosa continua a ser um problema - ressalta o biólogo David Stuart, principal autor do estudo, da Universidade de Oxford. - Obtivemos uma grande conquista ao usar cápsulas de proteína vazias, porque não há chances de que elas deem origem a qualquer infecção. Assim, esta pesquisa terá um impacto global na criação de novos instrumentos de controle à febre aftosa.

A vacina também é mais resistente do que suas antecessoras a temperaturas extremas. Alguns testes já demonstraram que seus resultados se manifestam mesmo por, no mínimo, duas horas em um ambiente a 56 graus Celsius.

Atualmente, de 3 a 4 bilhões de doses da vacina convencional são usadas anualmente no mundo. No ano passado, uma empresa americana, a GenVec, recebeu a licença para desenvolver um novo produto para combater a doença.

A equipe britânica, por sua vez, ainda testa sua nova vacina em pequenos grupos de animais. Ainda será necessário esperar cerca de seis anos até que ela chegue ao mercado. Como ainda é preciso promover o desenvolvimento comercial do produto, seu preço ainda não foi definido.

Segundo um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), um grande surto da febre aftosa bovina na Europa e nos Estados Unidos resultaria em um prejuízo de mais de US$ 100 bilhões.

Em 1997, uma linhagem deste vírus atingiu porcos em Taiwan, e o país perdeu US$ 1,5 bilhão no mercado de exportação, além da despesa com programas de controle.