Título: Menos armas, violência ainda alta
Autor: Bruno, Cássio; Duarte, Alessandra; Ilha, Flávio
Fonte: O Globo, 02/04/2013, País, p. 3

Compra de armamento só cresce na Região Sul; homicídios em residências aumentam no país

Estudo inédito divulgado ontem, no Rio, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que a compra de armas de fogo no Brasil caiu 35% após a criação do Estatuto do Desarmamento, sancionado em dezembro de 2003. Segundo a pesquisa, o número de pessoas que adquiriram armas legal ou ilegalmente, entre 2003 e 2009, sofreu uma redução de 57 mil para 37 mil. Na contramão dessa queda, os homicídios em residência com uso de armas de fogo cresceram cerca de 26%, indo de 2.503 para 3.155 homicídios.

O Ipea utilizou, pela primeira vez, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE para analisar os impactos do Estatuto do Desarmamento. As regiões que mais puxaram a queda na compra de armas foram Nordeste, Norte e Sudeste com reduções de 56,5%, 54,5% e 38,9%, respectivamente. A Região Sul foi a única que apresentou crescimento: 21%. A diminuição da venda de armas, porém, não foi suficiente para impedir o aumento nas taxas de homicídios. Segundo o Mapa da Violência 2013, as mortes no Nordeste aumentaram de 19,4 por cem mil habitantes, em 2003, para 27,7, em 2009. No Norte, subiram de 13,4 para 22,1. No Sul, cresceram de 15,9 para 19,3. Apenas o Sudeste registrou redução: de 28 para 16,4 homicídios (na média do Brasil, a taxa de homicídio caiu 1%).

Para Daniel Cerqueira, um dos coordenadores do estudo e diretor do Ipea, as mortes nas residências são as mais preocupantes:

- Tomei um susto. Isso mostra uma questão dramática. É preciso ter um controle da arma de fogo porque muitas das mortes ocorrem por motivos interpessoais, coisas banais, questões de família. O outro fator importante, que ainda é um tabu, trata-se da discussão sobre violência doméstica.

A redução na compra provocou crescimento de 11% no preço das armas.

- O Estatuto do Desarmamento restringiu o acesso. Por outro lado, 55% das compras são feitas de particulares, ou seja, compras pouco institucionalizadas, o que dificulta o controle - ressaltou Marcelo Neri, presidente do Ipea e ministro interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

O Ipea apontou ainda que um aumento de 1% na compra de armas faz crescer 1% a 2% a taxa de homicídio.

- Se a compra de armas não tivesse aumentado nos anos 80 e 90, poderíamos ter uma taxa de homicídio que seria a metade da atual, semelhante à de nações como Costa Rica e República Dominicana - disse Cerqueira.

Como então houve aumento na taxa de homicídio de 2000 a 2010 mesmo em estados que reduziram o número de armas? Segundo Cerqueira, não é só o controle de armas que explica a taxa de homicídios, mas um conjunto de fatores:

- É como uma pessoa que se alimenta bem e mesmo assim enfarta. Ela se alimenta bem, mas fuma bastante e é muito sedentária. Da mesma forma, outras variáveis entram para explicar um aumento no número de homicídios, como o mercado de drogas, uma deterioração nas forças policiais. Se não tivesse tido a redução na proliferação de armas, esse quadro estaria pior ainda.

Ainda segundo o Ipea, os homens têm oito vezes mais chances de comprar uma arma. No entanto, essa demanda masculina sofreu redução de 45,1% após o estatuto. Os jovens entre 20 e 29 anos superam em 172% as pessoas 20 anos mais velhas na compra de armas, mas nesse quesito também houve queda de 51,2% entre 2003 e 2009.

Embora tenham menor renda, os analfabetos e as pessoas com até três anos de estudo compram armas com o dobro da frequência observada entre os que tem 12 anos ou mais de escolaridade. E a proporção de compradores de armas é 396,4% maior no campo do que nas metrópoles.

O sociólogo Antônio Rangel Bandeira, do Viva Rio, criticou o lobby pró-armas no Congresso:

- Há uma força do lobby de 29 parlamentares que defendem o interesse na venda de armas. São 73 projetos de lei que tentam derrubar o Estatuto do Desarmamento.

O Rio Grande do Sul, na região que está na contramão da redução na compra de armas de fogo, é o estado com mais armas por habitante. Segundo a Polícia Federal, o estado tinha 131.846 armas registradas em 2010, uma para cada 80 moradores.

- O referendo sobre o desarmamento já havia mostrado isso. Além de uma cultura de valorização do heroísmo, o estado tem relação muito próxima dos seus ideólogos com a indústria de armas - apontou o sociólogo José Vicente Tavares, coordenador do grupo de pesquisa Violência e Cidadania da UFRGS.