Título: Exército eleitoral
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 02/04/2013, Mundo, p. 24

Oposição denuncia plano do chavismo de usar Forças Armadas para levar população às urnas

Na véspera do início formal de uma nova campanha presidencial na Venezuela, a participação das Forças Armadas no processo eleitoral voltou a provocar polêmica. O deputado opositor Alfonso Marquina denunciou a elaboração de um plano a ser implementado no próximo dia 14 de abril - quando o presidente interino Nicolás Maduro e o líder opositor Henrique Capriles disputarão a Presidência do país - que prevê a participação de militares e membros das milícias bolivarianas nas chamadas "operações-reboque". De acordo com o deputado, um documento intitulado "Ordem de Operações nas Eleições Presidenciais" foi distribuído entre todos os militares do país, com instruções para mobilizar eleitores utilizando mais de 1.500 motos, ônibus e automóveis. Num país no qual o voto não é obrigatório, a acusação de Marquina gerou preocupação entre os opositores.

- Vou pedir uma profunda investigação à Assembleia Nacional e ao Conselho Nacional Eleitoral. Sei que será inútil, mas é nosso dever fazer esta denúncia - disse o deputado ao GLOBO.

Ele lembrou que em 6 de março, dia seguinte à morte do presidente Hugo Chávez, o ministro da Defesa, general Diego Molero, disse que as Forças Armadas "são chavistas e bolivarianas" e pediu, abertamente, o voto para Maduro.

- As declarações de Molero deixaram clara a parcialidade das Forças Armadas. Este plano confirma nossos maiores temores - afirmou Marquina.

Sua denúncia foi respaldada por Capriles, que afirmou que não repetirá erros da campanha passada, quando foi derrotado por Chávez.

- Creio que nós toleramos muitos abusos no processo eleitoral passado. Mas esta vai ser uma campanha da verdade contra a mentira,e vamos denunciar ao país cada abuso que houver.

O opositor acusou Maduro de ser o responsável pela entrega de recursos bilionários provenientes do petróleo a países amigos, principalmente Cuba, "enquanto milhões de venezuelanos vivem na pobreza" - de acordo com Marquina, o plano também contaria com a participação de adidos militares cubanos e ministros do gabinete de Maduro.

- Maduro é garantia para os Castro. Eu sou garantia para os venezuelanos - enfatizou Capriles.

Explorando um possível descontentamento de setores militares com a postura partidária de seus líderes, o candidato também fez questão de agradecer aos "membros ativos das Forças Armadas que entregaram o documento" divulgado por Marquina e aproveitou para alertar sobre outro plano, definido por ele como "Plano Stalin", que preveria o não reconhecimento do resultado eleitoral em caso de derrota de Maduro.

no documento, oposição é "o INimigo"

Alheio à polêmica, o ministro da Defesa reiterou, pelo Twitter, seu apoio ao presidente interino: "@NicolasMaduro tal como o senhor nos pediu, conte com nosso apoio já que não vamos cair em provocações. Amamos esta Pátria! Unidade!". Nem Maduro nem o governo se pronunciaram sobre as denúncias da oposição.

Para José Vicente Carrasquero, professor da Universidade Simón Bolívar, "se o ministro da Defesa prega o voto por Maduro já não existe limite moral por parte do governo e das Forças Armadas".

- Estamos presenciando escandalosos abusos de poder nesta nova campanha - criticou Carrasquero.

O professor venezuelano relembra que não é novidade a utilização do Estado em eleições pelo chavismo, mas vê um reforço da tática diante a debilidade da candidatura de Maduro.

- Chávez usava ônibus da Petróleos da Venezuela para transportar eleitores. Mas com Chávez não era necessária tanta mobilização e um uso tão evidente das Forças Armadas. Agora a pressão é maior - disse Carrasquero.

No documento apresentado por Marquina, a oposição é definida como "o inimigo". Nele aparecem todas as sedes da Mesa de Unidade Democrática e instruções para informar aos chefes militares os movimentos do "adversário" no dia da votação.

- Para o governo esta é uma guerra. Para nós deve ser uma eleição democrática, essa é nossa maior diferença - frisou o deputado.

A oposição e ONGs como o Observatório Eleitoral Venezuelano (OEV) também estão preocupados pelo desequilíbrio de recursos na campanha e a consequente desvantagem de Capriles. Os meios de comunicação estatais e privados alinhados com o Palácio Miraflores não divulgam atos do candidato opositor, que, ao contrário da campanha de 2012, na qual percorreu várias vezes o país, optou por realizar as chamadas "assembleias cidadãs". Ja entre 16 e 31 de março, os discursos de Maduro em rede nacional de rádio e TV - sem contar os transmitidos só pela TV estatal - totalizaram quase três horas.