Título: O esconderijo dos fantasmas
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 28/10/2009, Política, p. 2

Senado suspende salários de 483 funcionários. Mas número de servidores que não trabalham deve ser maior por causa do método amador de recadastramento da Casa

Tajra, Fortes e Casagrande durante entrevista no Senado

Gastança A polêmica em torno do pagamento de horas extras do Senado é antiga. Em junho deste ano, o Correio divulgou levantamento em que mostrava que o gasto com serviços extraordinários desde 2003 chegavam a quase meio bilhão. Foram R$ 459 milhões em adicionais de janeiro de 2003 a junho deste ano. Em 2009, as despesas já ultrapassam R$ 45 milhões.

Apesar da benevolência da administração do Senado com os prazos de recadastramento de servidores, 88 funcionários sequer abriram o sistema para atualizar os dados e responder onde estão lotados e quais as suas funções. Outros 395 não concluíram o preenchimento dos dados. A inércia dessas pessoas acendeu a luz amarela e o primeiro-secretário, senador Heráclito Fortes (DEM-PI), decidiu anunciar a suspensão do pagamento dos salários até que elas finalmente apareçam. Apesar da decisão com ares de caça aos fantasmas, a administração do Senado já anunciou que os vencimentos poderão voltar a ser pagos normalmente se houver a regularização dos cadastros. ¿Tem casos de servidores que não fizeram porque não sabiam que isso estava acontecendo. Que não foram comunicados pelas chefias dos gabinetes. Eu mesmo conheço um desses casos¿, disse Fortes ao justificar a boa vontade com os servidores. ¿Acho impossível que isso tenha acontecido, já que tanto a imprensa quanto nós, em plenário, falamos disso exaustivamente. É no mínimo estranho que alguém que trabalhe aqui não soubesse disso¿, rebateu a senadora Marisa Serrano (PSDB-MS).

Apesar do anúncio de que apenas 88 pessoas não entraram no sistema para efetuar o recadastramento, e por enquanto são consideradas fantasmas, o número de servidores no Senado que recebem sem dar um dia sequer de serviço pode ser bem maior. É que o método utilizado consiste no acesso dos funcionários à página de pessoal do site oficial da Casa. Apesar de o cadastro ser possível apenas com o uso de senha, qualquer pessoa nomeada pode ter acesso ao sistema, mesmo fora do Senado. Ou seja, na prática, ocupantes de cargos comissionados que não trabalham podem estar na lista dos funcionários regulares, apenas porque possuem senha para ter acesso à página do Senado longe das dependências da Casa.

A existência dessa brecha foi admitida pelo diretor-geral, Haroldo Tajra, ao Correio. ¿As pessoas podem acessar o sistema fora do Senado. É claro que muitas delas, inclusive as que trabalham nos estados, fizeram dessa forma. O problema é que não é possível para nós, da administração, detectar quando essa pessoa realmente trabalham e qual função exerce. Mas também não é possível afirmar que elas são fantasmas e que nunca comparecem ao serviço. Na prática, elas estão regulares¿, explicou.

Apesar das facilidades colocadas pelo Senado para que os funcionários regularizem suas situações, alguns tiveram problemas para concluir os cadastros. De acordo com dados da diretoria de Recursos Humanos, 395 servidores ¿ sendo 220 efetivos e 175 comissionados ¿ deixaram dados incompletos. No inicio da tarde de ontem, o anúncio era de que apenas seriam suspensos os salários dos 88 que sequer entraram no sistema. Desses, 65 são ocupantes de cargos de confiança e 23 fazem parte do quadro permanente da Casa. Pressionado para adotar providências mais severas contra todos os que não se recadastraram, Heráclito Fortes decidiu ampliar as suspensões dos salários. Para descobrir qual é a real situação desses servidores e averiguar se são realmente fantasmas, a diretoria do Senado deve apresentar até o final desta semana um ato determinando a abertura de uma sindicância e quais as possíveis punições para quem estiver realmente fazendo parte irregularmente da folha de pessoal da Casa.

Dinheiro público Além da dificuldade de detectar servidores remunerados com dinheiro público e que não dão um dia sequer de serviço, o Senado também enfrenta o desafio de regular o pagamento das horas extras. Apesar da implantação do sistema de ponto online, que tem sido acessado pelo servidor depois das 18 horas, o primeiro-secretário admite que o controle é uma bagunça e que funcionários chegam à Casa apenas para acessar o sistema. ¿Isso ainda é muito bangunçado. Agora, às 18h30 começa a chegar todo mundo com cabelo molhado, ajeitado. Quando dá oito e meia, nove horas, vai todo mundo embora depois de acessar para receber o pagamento extra¿, admitiu Fortes.

Para tentar reduzir as irregularidades, o primeiro-secretário encomendou à administração da Casa a implantação de um novo meio de controle da frequência e dos horários dos servidores. Apesar das dificuldades já demonstradas com o sistema de registro de ponto pela intranet, o diretor-geral do Senado afirmou que as mudanças não vão consistir na implantação de catracas. ¿Temos aqui 57 entradas. Não há como controlar. Vamos trabalhar com algum meio parecido com o atual¿, afirma Tajra.

¿Isso é muito bagunçado. Às 18h30 começa a chegar todo mundo com cabelo molhado, ajeitado, e quando dá 20h30, vai todo mundo embora depois de acessar para receber o pagamento extra¿

Heráclito Fortes, primeiro-secretário do Senado

Plano de cargos

Uma reunião na Comissão de Fiscalização e Controle do Senado, muitas explicações sobre gastos e um projeto de reajustes salariais prestes a ser implantado. Ontem, o diretor-geral da Casa, Haroldo Tajra, utilizou mais de meia hora para enumerar seus feitos e destacar a marca de R$ 110 milhões do orçamento que devem ser economizados com as medidas emergenciais adotadas desde os escândalos envolvendo a antiga cúpula administrativa do órgão.

De acordo com Tajra, a economia ocorreu graças à revisão de dois contratos com empresas tercerizadas, à redução do pagamento pela participação de servidores em comissões especiais e pelos novos critérios de controle de ponto para pagamento de hora extra. ¿Nós não apenas economizamos, como deixamos de pedir créditos suplementares, o que não acontecia há anos. No ano passado foram pedidos R$ 117 milhões¿, disse o diretor.

Em meio a dados otimistas e a declarações cuja finalidade era tentar diminuir a fama de órgão gastador que destina recursos públicos às benesses dos seus integrantes, a diretoria da Casa deu o tom de um projeto que está sendo desenhado com o novo plano de cargos e salários dos servidores. Em média, o aumento de salário deve girar em torno de 28%, mas o conteúdo e os detalhes do projeto de resolução ainda estão sendo analisados porque vários itens previamente propostos encontraram resistência dos integrantes da Mesa.

Zoghbi Durante a reunião de ontem, o primeiro-secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI), disse que irá acatar o parecer da comissão disciplinar que propôs a demissão do ex-diretor de Recursos Humanos da Casa João Carlos Zoghbi. ¿Sei que essas pessoas que propuseram isso devem ser ligadas a ele e sofreram para dar o parecer. Vou acatar e a decisão final caberá ao presidente José Sarney¿, disse o secretário. (IT)