Título: Francisco pede ação firme contra a pedofilia na Igreja
Autor:
Fonte: O Globo, 06/04/2013, Mundo, p. 32

Em declaração inédita, o Papa defendeu a punição de abusadores

Menos de um mês após ser eleito Papa, Francisco pediu atuação firme da Igreja para acabar com a pedofilia, um tema que tem abalado a imagem da instituição nos últimos anos e que ainda é considerado tabu no Vaticano. É a primeira vez que o Pontífice se pronuncia publicamente sobre as denúncias que envolveram diferentes dioceses pelo mundo. Além do combate aos abusos, ele defendeu a punição dos responsáveis. E afirmou que terá tolerância zero com padres pedófilos, despertando a expectativa de que as palavras enérgicas sejam seguidas por ações no mesmo tom ao longo de seu pontificado.

O tema surgiu num encontro com o chefe doutrinal da Santa Sé, o arcebispo alemão Gerhard Muller. Na conversa, o Papa afirmou que é dever da Igreja ajudar as vítimas de pedofilia. Muller lidera a Congregação para a Doutrina da Fé, departamento do Vaticano encarregado, entre outras atribuições, de investigar as denúncias de abusos e decidir se os padres suspeitos devem ser expulsos do sacerdócio.

Segundo a Santa Sé, o Pontífice pediu que o departamento promova "medidas para proteger os menores, ajudar os que sofreram esse tipo de violência no passado e desenvolver os procedimentos necessários contra os culpados".

O Pontífice instruiu as conferências episcopais de todo o mundo a formularem diretrizes para melhorar o combate aos abusos de menores - um chamado parecido com o que a Congregação fez em 2011. A nova medida, diz um comunicado do Vaticano, foi defendida pelo Papa como fundamental para a credibilidade da Igreja.

Francisco não tem uma tarefa fácil à frente. A Rede de Sobreviventes dos Abusados por Sacerdotes (Snap, na sigla em inglês) afirmou que suas declarações são "vazias" - e pediu menos discussões e mais atitude.

- Mais uma vez, um alto líder católico solicita a outro tomar medidas contra os padres pedófilos e os bispos cúmplices - criticou Barbara Dorris, diretora do grupo de vítimas, com sede nos EUA. - Uma das primeiras ações do Papa Francisco foi visitar o cardeal Bernard Law, que ainda é funcionário poderoso da Igreja, apesar de ter sido transferido de Boston por ocultar e permitir delitos de centenas de religiosos que abusaram de crianças.

Quando o Pontífice foi eleito, ativistas argentinos chegaram a reclamar que, quando dirigia o arcebispado de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio não priorizou a proteção das vítimas de pedofilia, nem a prevenção de novos casos.

Agora, ele herda uma Igreja contaminada por problemas que vão das disputas por poder a desvios de dinheiro e inúmeras denúncias de abusos sexuais.

A crise dos escândalos de pedofilia explodiu em 2002, em Boston, nos EUA, quando a imprensa começou a noticiar como os abusos eram omitidos, e os padres abusadores eram transferidos a outras paróquias em vez de serem expulsos do sacerdócio e entregues às autoridades.

Desde então, novas denúncias se espalharam e alcançaram um nível alarmante para a Igreja no apagar das luzes do pontificado de Bento XVI. O antecessor de Francisco assumiu a Igreja com a promessa de livrá-la da pedofilia. Recebeu elogios por algumas ações - como o afastamento do fundador mexicano do movimento Legionários de Cristo, Marcial Maciel, culpado de vários abusos sexuais -, mas grupos de vítimas acusam o agora Papa Emérito de ter acobertado outros abusos no passado. E pedem uma resposta mais firme do novo Pontífice.

Um dos casos recentes de maior repercussão foi o do cardeal americano Roger Mahony, que teria acobertado 129 casos de pedofilia nos EUA. Ele e o mexicano Norberto Rivera, que também teria omitido abusos de outros sacerdotes, enfrentaram protestos contra sua participação no conclave que elegeu Francisco. A mesma acusação recaiu sobre o cardeal irlandês Sean Brady.

A esses casos se soma o recente afastamento - decidido por Bento XVI - do cardeal escocês e arcebispo de Edimburgo Keith O"Brien. Ele foi acusado de ter cometido "atos impróprios", que depois acabaram admitidos por ele.

Além do desgaste na imagem, os escândalos sexuais custam caro à Igreja: só nos EUA, US$ 3 bilhões foram pagos em indenizações em casos de pedofilia até 2012. De cofres vazios após serem obrigadas a indenizar vítimas de abusos em milhões de dólares, oito dioceses americanas faliram.