Título: Vai sujar para os porcalhões
Autor: Bastos, Isabela; Alencar, Emanuel; Mendes, Taís
Fonte: O Globo, 10/04/2013, Rio, p. 9
Prefeitura multará a partir de julho quem jogar lixo no chão; valores vão de R$ 157 a R$ 3 mil
Rua Uruguaiana, Centro do Rio, terça-feira, às 15h. Uma senhora e uma criança se sentam num banco para fazer um lanche. Sanduíches, batatas e refrigerantes são consumidos rapidamente, e a dupla vai embora, deixando sacos, guardanapos e copos para trás. Momentos depois, uma jovem chega, pega um pedaço de uma das caixinhas abandonadas, coça o ouvido e também vai embora. Nas duas horas seguintes, outras 17 pessoas usariam o mesmo banco, ignorando ou empurrado a sujeira para o lado. Perto dali, na Rua da Carioca, outra jovem arremessa um saco de amendoim pela janela do ônibus. Mais adiante, um catador bebe um refrigerante, fica com a lata, mas joga o copo num jardim.
Se ruas, bancos e sarjetas do Rio falassem, diriam que o carioca cuida muito mal do seu lixo. Esse mau hábito, contudo, poderá custar caro a partir de julho, quando a prefeitura pretende pegar pesado, multando os sujismundos, a partir do CPF ou da carteira de identidade, com valores que podem variar de R$ 157 a R$ 3 mil, conforme a quantidade e natureza dos detritos. Quem não aceitar a multa será levado para a delegacia por desacato à autoridade. E, no caso de não pagamento da infração, a pessoa poderá ter o nome inscrito em cadastros de inadimplência, como o da Serasa.
Segundo o prefeito Eduardo Paes, a fiscalização será feita por 500 agentes, entre guardas municipais e fiscais da Comlurb, com apoio da PM. A intenção é começar a fiscalização por Centro, Zona Sul e parte do subúrbio:
- A multa será impressa e entregue na hora. A ideia é acabar com esse mau hábito do carioca.
O presidente da Comlurb, Carlos Vinicius de Sá Roriz, explica que os infratores serão multados com base na Lei de Limpeza Urbana, de setembro de 2001. PMs serão incorporados à fiscalização através do Programa Estadual de Integração na Segurança (Proeis), decreto estadual que regulamenta a colaboração de unidades de segurança em ações de ordem pública. Pessoas que forem flagradas sujando o chão e que estiverem sem documentos, diz Roriz, terão que pedir o auxílio de amigos ou parentes. Estes serão convocados a levar os documentos do infrator ao local.
- Estamos apenas mudando a forma de executar uma lei. A incorporação da PM é para garantir o cumprimento dela - diz Roriz.
Os agentes usarão palmtops já empregados por guardas em ações de trânsito. Enquanto jogar uma latinha no chão poderá custar R$ 157, objetos de até um metro cúbico valerão multa de R$ 392. Detritos maiores que isso poderão custar R$ 980. Já despejo de entulho sairá por até R$ 3 mil.
Dever de casa por fazer
O Rio que parte para a batalha contra a sujeira, porém, tem um dever de casa malfeito na bagagem: apenas 0,27% do lixo da cidade, ou 25 toneladas, é enviado diariamente pela Comlurb para reciclagem. A cidade tem ainda 30 mil papeleiras (uma para cada 213 habitantes), contra 186 mil de São Paulo (que tem uma para cada 58 pessoas). No contraste está Curitiba, que, com 4.200 lixeiras públicas (uma para cada 417 pessoas), é reconhecida por sua limpeza.
As ruas da cidade são varridas por 3.135 garis, num trabalho que custa à Comlurb R$ 192 milhões ao ano, ou 16% de todo o orçamento de R$ 1,2 bilhão da companhia. As vias que mais dão trabalho são as avenidas Nossa Senhora de Copacabana, Rio Branco e Presidente Vargas. Na outra ponta, a coleta seletiva só atinge a 42 dos 160 bairros. E a meta de crescimento do serviço é modesta, uma vez que a empresa espera alcançar 3,5% de coleta seletiva até 2016.
Para o criminalista Ary Bergher, a prefeitura poderá causar polêmica ao obrigar o sujismundo a ir para a delegacia:
- Não dar o documento não é desacato. É no máximo contravenção penal. Pela Constituição, a pessoa não é obrigada a fornecer prova contra si mesma. Levar para a delegacia poderá ser considerado até abuso de autoridade.
Nas ruas, as opiniões se dividem. No Centro, o jornaleiro Pedro Paulo dos Santos acha que a medida vem em boa hora, porque "a consciência da limpeza não existe no bairro". Já o vendedor de pastéis Jamil Teixeira cobrou o reforço na coleta:
- Recolho dois sacos grandes de lixo por dia. Às vezes tenho que levar os sacos comigo.