Título: Golpe baixo contra o Segundo Tempo
Autor: Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 17/10/2009, Política, p. 2

Ex-candidato a distrital pelo PCdoB e presidente da Federação Brasiliense de Kung Fu, João Dias é acusado de irregularidades em convênio de R$ 2,04 milhões

Fiscalização identificou, entre outros problemas, que apenas 3 mil crianças foram beneficiadas: o contrato previa 10 mil

Carro-chefe do PCdoB no Ministério do Esporte, o programa Segundo Tempo tem um propósito simples: fora do horário escolar, os jovens praticariam esportes e não ficariam nas ruas sujeitos a situações de risco. Só no Distrito Federal, o ministério diz ter beneficiado 215 mil estudantes em 70 convênios. O programa, contudo, sempre foi questionado por suspeitas de favorecimento político. Pessoas ligadas aos comunistas seriam as principais beneficiárias dos recursos. Agora, uma investigação oficial comprovou uma acusação de desvio de verbas públicas que favoreceu um ex-candidato do partido. O Ministério Público Federal (MPF) em Brasília entrou com ação em que cobra R$ 3,1 milhões (valores corrigidos) de uma entidade de Sobradinho por graves irregularidades num dos principais convênios do Segundo Tempo no DF.

Trata-se da Federação Brasiliense de Kung Fu (Febrak), presidida pelo policial militar João Dias Ferreira, candidato a deputado distrital derrotado em 2006 pelo PCdoB. A chapa eleitoral foi encabeçada por Agnelo Queiroz, que deixou o cargo de ministro do Esporte para se candidatar ao Senado (hoje ele está no PT). O convênio firmado com a Febrak, originalmente no valor de R$ 2,04 milhões, tinha como objetivo beneficiar 10 mil crianças e jovens durante um ano a partir de maio de 2005. Para tanto, seriam criados 10 núcleos. Contudo, inspeções feitas por técnicos do próprio ministério descobriram que apenas 3 mil estudantes foram assistidos. Somente seis núcleos funcionaram, e de forma precária. Todos os achados da vistoria (veja quadro) serviram de base para a ação do MPF.

Segundo os técnicos do ministério, os jovens não receberam os materiais esportivos previstos. Alguns ficaram sem camisetas promocionais e uniformes do Segundo Tempo. A vistoria constatou que, no caso dos uniformes, houve simulação de concorrência pública para desviar, segundo o MPF, recursos estatais. De acordo com os documentos da licitação, a Febrak contratou uma empresa de fabricação de móveis para fornecer 10 mil quimonos por R$ 497 mil. Os fiscais do ministério descobriram ainda que as notas fiscais da licitação apresentadas pela entidade não têm referência ao convênio nem trazem a confirmação do recebimento dos materiais. Em março de 2006, um mês antes do fim do convênio, a vistoria descobriu que os uniformes ainda não tinham sido comprados.

A fiscalização do ministério também encontrou problemas na compra e distribuição de lanches para os jovens. Constatou-se que os núcleos não receberam ajuda financeira para o reforço alimentar durante as práticas esportivas. A carência foi suprida, em parte, com a merenda das próprias escolas. No núcleo-sede do projeto, até houve lanche, oferecido para 164 alunos. O cardápio, porém, era longe de ser o ideal: biscoito e suco em pequena quantidade. Assim como no caso dos uniformes, houve licitação forjada, segundo os técnicos, para justificar gastos com alimentação.

Campanha

Dois meses após o fim do convênio, João Dias lançou-se candidato a deputado distrital pelo PCdoB. O Clube Sodeso, um dos núcleos do convênio da Febrak, serviu de comitê eleitoral. Melhor colocado entre os sete concorrentes do partido à Câmara Legislativa, com 4,6 mil votos, João Dias ficou na segunda suplência. Praticamente metade dos votos dele, 2,2 mil, foi obtida no colégio eleitoral de Sobradinho. Ele declarou ter gasto cerca de R$ 42 mil na campanha.

A Procuradoria da República pediu à Justiça liminarmente o bloqueio e a indisponibilidade dos bens de João Dias e da federação para assegurar, em caso de futura condenação, os recursos públicos usados irregularmente. O Ministério Público terá dificuldades para encontrar o dinheiro supostamente desviado. Nas eleições de 2006, João Dias declarou ter R$ 90 mil em patrimônio ¿ valor correspondente a dois carros.

Atletas de kung fu da capital contaram reservadamente ao Correio que há pelo menos um ano, quando surgiram as primeiras suspeitas de irregularidades ligadas à Febrak, vêm sendo prejudicados na disputa de torneios oficiais. Tanto é assim que decidiram deixar a atual federação, criada em 1996, para fundar outra entidade, a fim de participar de competições nacionais e internacionais. Em breve, o MPF deve entrar com nova ação sobre um segundo convênio do programa com outra entidade ligada a João Dias.

REPASSE VITAMINADO Em abril passado, o Correio revelou que uma ONG de São Paulo, que tinha como coordenadora a ex-jogadora de basquete Karina Valéria Rodrigues, recebeu R$ 8,5 milhões via programa Segundo Tempo. Karina foi eleita ano passado vereadora pelo PCdoB, mesmo partido do ministro Orlando Silva. O valor repassado à ONG Bola Pra Frente supera a quantia investida, no mesmo período, a entidades de 12 estados. Orlando almeja eleger-se deputado federal por São Paulo em 2010.

Achados do Ministério Público Federal

Veja as principais descobertas da vistoria do Ministério do Esporte no projeto administrado pela Federação Brasiliense de Kung Fu (Febrak):

Somente 3 mil dos 10 mil estudantes foram beneficiados

Núcleos não implementados

Núcleos funcionando no horário acordado

Estudantes sem camisetas e uniformes esportivos

Reforço alimentar precário e insuficiente para os alunos

Contrapartidas não cumpridas, como o pagamento de pró-labore a monitores

Fonte: MPF