Título: Expandir o letramento e o numeramento
Autor: Rollemberg, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 17/10/2009, Opinião, p. 27

Líder do PSB na Câmara dos Deputados

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (Pnad) de 2008, constatou taxa de analfabetismo funcional de 21%, o que corresponde a cerca de 30 milhões de brasileiros. O dado, por si muito preocupante, representa pequena melhora em relação a 2007, cuja taxa era de 21,8%.

Para o IBGE, analfabeto funcional é alguém com menos de quatro anos de estudo formal. Esse conceito tem como vantagem a objetividade, que lhe permite mensurar facilmente o percentual de analfabetos funcionais do país. Entretanto, ele menciona apenas os anos investidos em escolaridade, não as capacidades desenvolvidas pelos alunos.

Já o conceito adotado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) considera alfabetizada funcional uma pessoa apta a participar de todas as atividades em que a escrita e o cálculo são necessários para sua atuação social eficaz e consciente e também para o desenvolvimento da coletividade. O conceito de alfabetização funcional enunciado nessas linhas coincide, no essencial, com os conceitos de letramento e numeramento.

Um cidadão letrado e ¿numerado¿ sabe compreender as cláusulas de um contrato, o sentido profundo de um discurso político ou de um enunciado científico e optar, com base em cálculos realizados com a devida competência, por participar das transações comerciais e financeiras que mais lhe conveem. Letramento e numeramento são, portanto, o exercício da cidadania por meio de letras e números escritos.

Quatro anos de estudo formal somente em tese garantem ao indivíduo esse repertório de aptidões. Assim, é plausível que, segundo o critério da Unesco, a taxa de analfabetos funcionais seja superior em nosso país aos 21% apontados pela Pnad.

A generalização do letramento e do numeramento deve ser o objetivo maior de qualquer política educacional. A esse respeito, é indiscutível o esforço pró-educação, formal e informal, do governo e da sociedade brasileira, o que se expressa numa série de dados estatísticos e fenômenos empiricamente observáveis.

No campo da educação formal, estamos cada vez mais próximos da universalização do ensino fundamental para as crianças de 6 a 14 anos, e o país se prepara para atender a todas as crianças de 4 a 17 anos; ao mesmo tempo, cresce, a cada ano, a média de escolaridade da população brasileira. Essas são vitórias importantes, embora estejamos muito aquém do desejável quanto à qualidade ¿ nesse quesito, as palavras atraso e desigualdade ainda são bastante apropriadas para resumir nossa situação.

Quanto à educação informal, estima-se que são investidos mais de 4% do PIB por ano em treinamentos e cursinhos de toda ordem, frequentados por mais de 40 milhões de pessoas. Esse montante se aproxima dos 5% do PIB investidos em educação formal. Por seu turno, é notório o aumento do afluxo às bibliotecas de todo o país, que recebem diariamente legiões de concurseiros, além de vestibulandos e estudantes de cursos regulares.

Tudo isso é positivo e indispensável. Mas o letramento e o numeramento transcendem o âmbito da educação e dependem, para seu sucesso, de verdadeira transformação cultural. Mais que a ampliação da oferta e da procura de cursos, precisamos de mudança de hábitos e valores, que faça do texto escrito uma preferência nacional e da grafofilia um traço marcante de nossa identidade.

Todos os países que generalizaram o letramento e o numeramento contaram com a mobilização convergente e muitas vezes coordenada de instituições estatais, religiosas, midiáticas, empresariais, sindicais; contaram também com a participação obstinada das famílias e com o empenho autônomo dos indivíduos. Um Fórum Nacional Permanente pelo Letramento e Numeramento, replicado em estados e municípios, pode ser um instrumento valioso para a cooperação contínua dos diversos atores sociais com vistas à realização desses objetivos.

Enunciados escritos são um portal para significados e valores que a oralidade nem sempre comporta. Expandir o letramento e o numeramento, até obter sua universalização, implica proporcionar a cada cidadão o acesso às riquezas sutis desse outro mundo, bem como às condições para uma participação política mais consciente e uma inserção mais digna no mercado de trabalho; implica igualmente incorporar milhões de pessoas ao esforço de construir em nosso país uma autêntica sociedade do conhecimento.