Título: Maratona pelo acordo
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 17/10/2009, Mundo, p. 28

Negociadores estendem o prazo fixado para as conversações e buscam concluir ainda hoje a fórmula para encerrar a crise

Terminou ontem a segunda edição do ultimato do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, ao governo interino de Roberto Micheletti. O prazo para que Zelaya voltasse à presidência se esgotava na quinta-feira, mas ele atendeu a um pedido da delegação do governo de fato para continuar até as 12h de ontem. Porém, o diálogo travado no Hotel Clarion, em Tecucigalpa, se estendeu mais do que o esperado e avançou pela noite. A negociadora de Micheletti, Vilma Morales, ex-presidenta do Tribunal Supremo de Justiça, já tinha dado mostras de que a reunião passaria do horário estipulado, ao escrever um e-mail à delegação interina dizendo que o acordo definitivo seria alcançado até a manhã de hoje.

Do lado de fora do hotel, cerca de 150 militantes pró-Zelaya esperavam ontem o fim das negociações. ¿Aqui estamos nas ruas esperando que a crise chegue ao fim¿, disse o coordenador Juan Barahona. ¿Aqui ninguém se rende¿, confirmaram os manifestantes. ¿Se hoje (ontem) não há uma solução, a luta seguirá amanhã (hoje) nas ruas¿, alertou Barahona, que foi substituído pelo advogado Rodil Rivera como representante do movimento na comissão de diálogo. Enquanto isso, abrigado na embaixada do Brasil, Zelaya se distraía com a partida em que o Brasil perdeu para Gana o Mundial Sub-20 de futebol. Já sua mulher, Xiomara de Castro, e a ex-ministra da Mulher, Dóris Garcia, se esmeravam na maquiagem para deixar a sede da representação diplomática, na esperança de que houvesse ainda ontem uma resolução favorável ao presidente deposto.

Ao meio-dia, a vice-chanceler de Zelaya, Patricia Licona, declarou à imprensa que a equipe de Micheletti havia pedido uma ¿ampliação de três horas¿. ¿As três horas foram concedidas, tudo pelo bem e a paz de Honduras e pela restituição do presidente Zelaya¿, disse Licona. Segundo o jornal espanhol Público, além da recondução de Zelaya ao poder, o tema da anistia ¿ um dos pontos nos quais ambas as partes haviam chegado a acordo ¿ também contribuiu para o adiamento do texto que todos diziam já estar ¿entre 95% e 100%¿ pronto. ¿O `não¿ à anistia provocou a reação do Exército. (¿) O mal-estar dos militares, que se sentem desprotegidos sem o perdão, somado à rejeição que desperta a figura de Zelaya, bloqueou a assinatura final e obrigou Micheletti a estender as negociações¿, afirma o jornal.

A crise política em Honduras atravessou fronteiras e foi assunto também em Cochabamba, na Bolívia. Os chanceleres dos países membros da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba) ¿ formada por Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador, Honduras, Nicarágua, Dominica, San Vicente/Granadinas, Antígua e Barbuda ¿ incluíram o problema do país centro-americano em sua reunião de cúpula. A chanceler de Zelaya, Patricia Rodas, participou do encontro, em que os ministros do bloco bolivariano avaliaram um possível endurecimento das sanções contra o governo de Micheletti. Rodas reiterou que o objetivo de sua participação na reunião era ¿consolidar um cerco econômico ao regime interino de Roberto Micheletti, para que se restitua a ordem constitucional. O isolamento vai ser aprofundado caso o regime não acate as resoluções que a comunidade internacional ditou a respeito da restituição do presidente¿, ameaçou a chanceler de Zelaya.

Justiça

O advogado hondurenho Raúl Valeriano Mendonza entrou com recurso no Tribunal Supremo de Justiça contra os delitos de 28 de junho e pediu a restituição de Zelaya à presidência. Amanhã será a vez de uma missão do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos chegar ao país . O objetivo da missão será compilar informações para um relatório que será apresentado em novembro à Assembleia Geral. Os integrantes da missão terão de conversar com todas as partes e devem ficar no país até o próximo dia 7.

JOGADA POLÍTICA O capitão da seleção de futebol de Honduras, Amado Guevara, homenageou ontem o presidente deposto, Manuel Zelaya, enviando sua camisa oficial como presente. Em um hotel de Tegucigalpa, a mãe do jogador, Flor Guevara, entregou a camisa a Hortensia Zelaya, filha do governante afastado, também conhecida como La Pichu. ¿Estou muito emocionada¿, declarou Hortensia. Sem participar de uma Copa do Mundo desde 1982, os hondurenhos tentam esquecer a crise política e estão em festa desde a dramática vitória por 1 a 0 na partida decisiva contra El Salvador ¿ o gol, marcado nos últimos minutos, carimbou o passaporte do time para ir à África do Sul em 2010. Na quinta-feira, foi o presidente interino, Roberto Micheletti, quem celebrou o feito da equipe decretando feriado nacional.

Alternativa ao dólar

Além de discutir a possível imposição de sanções contra Honduras, os países integrantes da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba) se reunirão hoje para falar sobre mudanças climáticas, a presença militar dos Estados Unidos na Colômbia e, principalmente, o comércio regional. O foco do sétimo encontro da Alba será a possível criação de uma nova moeda, o sucre, para substituir o dólar nas transações comerciais entre os países-membros.

A ideia de uma unidade monetária para as trocas no grupo foi lançada em novembro último pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, sob o impacto da crise financeira mundial. Os ministros da Economia dos países que constituem a Alba explicaram no começo do ano que, inicialmente, o sucre (sigla para Sistema Único de Compensação Regional, mas igualmente o nome de José de Sucre, um dos libertadores da América hispânica) será uma moeda apenas virtual. Porém, Chávez garantiu que pretende fazer com que o sucre avance na direção do modelo europeu de moeda única, o euro.

O vice-ministro de Exportações e Comércio da Bolívia, Huáscar Ajata, afirmou que, com o sucre, o bloco ganha ¿soberania econômica e monetária, já que realizaremos as transações mediante um meio de compensação próprio¿. Para o chanceler boliviano, David Choquehuanca, a iniciativa tem grandes chances de dar certo. ¿A União Europeia levou 20 anos para constituir o euro, que começou como um sistema de compensação comercial, tal como estamos fazendo¿, afirmou.

Críticas

No entanto, a medida gerou fortes críticas em setores empresariais, que temem prejuízos para as exportações e importações. O presidente do Conselho Superior da Empresa Privada (Cosep) da Nicarágua, José Adán Aguerri, defendeu a permanência do dólar como moeda de referência para o comércio exterior. ¿Cerca de 90% das nossas exportações são para mercados onde prevalece o dólar, como os Estados Unidos, o México e a Europa¿, explicou. ¿Nosso esforço vai ser para continuar a colocar nossos produtos nesses mercados, e vamos continuar trabalhando com o dólar.¿

A Alba é formada por nove países da América Latina e Caribe ¿ Venezuela, Cuba, Equador, Bolívia, Nicarágua, Honduras, São Vicente e Granadinas, Dominica e Antígua e Barbuda. Em comum, todos têm governos com orientação externa antiamericana. A cúpula do bloco se realiza em Cochabamba, na região central da Bolívia.

Três obstáculos

Presidência A recondução de Manuel Zelaya é exigência unânime da comunidade internacional, mas esbarra na insistência de Roberto Micheletti em levar o presidente deposto a julgamento pelo Tribunal Supremo de Justiça, por abuso de poder.

Anistia Os dois lados chegaram a consenso sobre não perdoar os delitos políticos conexos ao golpe de Estado de 28 de junho, mas os militares, que removeram Zelaya da residência oficial e o deportaram, batem o pé na exigência de serem anistiados.

Constituinte Zelaya desistiu de convocar a assembleia ¿ esse foi o pivô da crise que resultou na sua deposição ¿, mas seus aliados da Frente de Resistência mantêm a exigência e prometem retomar as manifestações de rua para forçar a realização de um plebiscito sobre o tema.