Título: Estrangeiros recuam
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 29/10/2009, Economia, p. 20

Entrada de dinheiro no país cai 73% por causa da taxação de 2% imposta pelo governo. Economistas acreditam que retração vai durar pouco porque parte da queda se deve a um efeito psicológico

Pelo menos a curto prazo, a decisão do governo de taxar o capital estrangeiro direcionado às bolsas de valores e às aplicações de renda fixa surtiu efeito. Nos quatro primeiros dias de vigência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a média diária do fluxo de recursos externos para o Brasil levou um tombo de 73% em relação ao volume registrado antes do anúncio da tributação. Pelas contas do Banco Central (BC), em outubro, até o dia 19, o saldo líquido de ingresso de capitais no Brasil por meio da conta financeira foi de US$ 919,16 milhões por dia. Entre 20 e 23, baixou para US$ 248 milhões.

¿Com certeza, o capital estrangeiro se retraiu para não pagar IOF. Mas não creio que a tributação terá efeito por muito tempo¿, disse a economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif. Para ela, é preciso lembrar que, coincidentemente, o humor piorou muito no mercado externo, o fator principal para a alta do dólar ante o real nos últimos dias. ¿À medida que o cenário internacional clarear de novo, a tendência é de que os estrangeiros voltem. Mas, certamente, não veremos uma repetição de outubro, um mês atípico¿, acrescentou. Somente a venda de ações do Santander inflou o fluxo cambial em mais de US$ 4 bilhões.

Na avaliação de José Luiz Rodrigues, sócio-diretor da Consultoria JL Rodrigues, mais do que a cobrança do IOF, o que realmente pesou para reduzir o apetite dos investidores estrangeiros pelo país foi o temor de que o governo promova mudanças mais radicais na política cambial. Essa preocupação, por sinal, levou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, a divulgar, na semana passada, um comunicado assegurando que havia participado das discussões sobre a criação do IOF e que não havia riscos de alterações do sistema de câmbio flutuante. ¿O ruído foi grande¿, admitiu um técnico do BC.

Para se ter uma ideia de como o fluxo estrangeiro financeiro se retraiu nos primeiros quatro dias de cobrança do IOF, a diferença entre entrada e saída de recursos totalizou, nesse período, US$ 992 milhões, menos que o saldo de US$ 1,119 bilhão computado somente na segunda-feira, 19, quando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou a taxação. Nos mesmos quatro dias de vigência do tributo, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) perdeu US$ 1,318 bilhão (R$ 2,255 bilhões), segundo cálculos do analista Alexandre Marques Filho, da Elite Corretora.

Competitividade

Diretor do banco americano Goldman Sachs, o economista Paulo Leme definiu o IOF como ineficaz, dado o excelente momento vivido pela economia brasileira, que continuará atraindo capital estrangeiro. ¿A impressão que se tem é que o governo quer usar o IOF contra a lei da gravidade. É o tipo de medida que não vale a pena, não dará certo, pois se está lutando contra a desvalorização do dólar no mundo todo¿, frisou. ¿A tendência é de valorização do real. Portanto, cabe ao governo lidar com esse tema promovendo a competitividade das exportações, reduzindo o que não pode ser exportado, como a carga tributária¿, acrescentou.

A mesma avaliação foi feita pelo professor Alcides Leite, da Trevisan Escola de Negócios. ¿Para evitar a constante valorização do real em relação ao dólar, é necessário eliminar as barreiras que encarecem a produção doméstica. Isso requer medidas como a redução da carga tributária incidente sobre as exportações, incentivo à internacionalização das empresas brasileiras, aumento dos investimentos em infraestrutura logística, permissão aos fundos de investimento para aplicar no exterior e redução dos custos trabalhistas¿, listou.

Dados consolidados pelo BC indicam que, no acumulado de outubro, o saldo líquido do fluxo cambial do país atingiu US$ 12,842 bilhões, dos quais US$ 12,022 bilhões na conta financeira. No mesmo período de 2008, auge da crise mundial, o fluxo geral estava negativo em US$ 3,177 bilhões e o financeiro, em US$ 4,862 bilhões. Do dinheiro que entrou no Brasil nesse período, o BC comprou US$ 6,518 bilhões, sendo que apenas US$ 235 milhões nos quatro dias de cobrança do IOF.

Trata-se de um caminho sem volta, diante da necessidade de internacionalização da economia brasileira¿

Zeina Latif, economista-chefe do Banco ING, sobre alterações na legislação cambial

Bovespa cai 4,7%

A Bolsa de Valores de São Paulo caiu 4,7% ontem por causa da retirada de dinheiro por parte de investidores estrangeiros e também da influência negativa da Bolsa de Nova York, que amargou perda de 1,2%. O principal motivo foram as vendas de novas moradias nos Estados Unidos, que caíram inesperadamente em setembro, na primeira queda em seis meses, ressaltando os perigos que ainda cercam a recuperação econômica. As vendas de novas moradias recuaram 3,6%, atingindo uma taxa anualizada de 402 mil unidades, ante 417 mil unidades em agosto.

Mudança cambial

O Banco Central botou o pé no acelerador para reformar a legislação cambial do país. Mas, por trás da meta emergencial de se conter a forte valorização do real frente ao dólar, o que se pretende é tirar as principais amarras que hoje dificultam o livre trânsito de moeda estrangeira no país. ¿Vamos caminhar para a conversibilidade do real¿, disse a economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif. ¿Trata-se de um caminho sem volta, diante da necessidade de internacionalização da economia brasileira¿, acrescentou.

Por meio desse livre trânsito de moedas, no ponto extremo, os brasileiros poderão manter contas correntes no exterior. Antes disso, porém, o BC deverá propor ao Conselho Monetário Nacional (CMN) que bancos brasileiros e fundos de investimentos possam aplicar no mercado internacional. No mês passado, o CMN concedeu tal aval aos fundos de pensão, que poderão destinar até 10% de seu patrimônio para a compra de ativos no exterior. ¿A conversibilidade do real será uma realidade no futuro¿, assegurou o economista Paulo Leme, diretor do banco americano Goldman Sachs.

Segundo explicou o presidente do BC, Henrique Meirelles, o que a instituição prevê é a modernização da legislação brasileira, que vem dos anos 1930. Ao longo de todos esses anos, o Brasil foi extremamente dependente de dólares. Por isso, mantinha uma legislação restritiva, limitando as importações e a saída de recursos. Agora, o quadro é exatamente o contrário. O país têm reservas internacionais superiores a US$ 230 bilhões. O fluxo de recursos para o país é crescente. Neste ano, até 23 de outubro, descontadas as retiradas, há um saldo positivo de US$ 21,1 bilhões.

¿Temos que criar mecanismos para não obrigar o ingresso de dólares no país¿, disse um técnico do BC. ¿Já fizemos isso com os exportadores, que detém cerca de US$ 20 bilhões lá fora. Eles só são obrigados a trazer os recursos para o Brasil depois de um ano de fechada a exportação¿, acrescentou. Na opinião de Zeina Latif, o BC está no caminho certo. Mas ela não vê grandes avanços em curto prazo. ¿A reforma na legislação cambial será feita com cautela e ao longo de anos¿, ressaltou. (VN)