Título: Só não pode virar fumaça
Autor: Santos, Danielle
Fonte: Correio Braziliense, 30/10/2009, Brasil, p. 10

Faltam definições sobre pontos do pacote aprovado na Câmara contra o aquecimento global, mas governo já trata o tema como trunfo. Especialistas alertam que dependência de recursos internacionais pode dificultar ações

Considerado um dos trunfos do Brasil para ¿fazer bonito lá fora¿, como quer o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, o pacote ambiental que tramita em regime de urgência no Congresso foi aprovado esta semana na Câmara e agora segue para o Senado. O governo tem pressa porque pretende apresentar avanços palpáveis na legislação brasileira no que tange o controle da emissão de poluentes na 15ª Conferência das Partes da Convenção do Clima, que acontecerá em Copenhague, na Dinamarca, em dezembro. No evento, promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU), serão discutidas estratégias para enfrentar as mudanças climáticas no planeta.

O pacote que será votado no Senado inclui a criação do Fundo Nacional sobre Mudanças do Clima(1) e o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, que será financiado pela própria reserva. Uma das principais fontes de recursos viria justamente de um produto que está entre os maiores poluidores globais: o petróleo. Pela proposta, o Ministério do Meio Ambiente receberia 10% da participação das empresas petrolíferas na exploração do insumo e repassaria 6% ao fundo. Outra ideia, defendida pelo relator das duas matérias, o deputado Antônio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP), é incorporar recursos vindos da exploração da reserva do pré-sal, apesar de o retorno financeiro estar previsto somente para 2019. ¿Não temos uma dimensão de quanto serão esses valores, mas o fundo já nasce com propostas possíveis de se cumprir¿, afirma.

Embora não se tenha definido a exata composição do fundo, também estão previstos recursos vindos do Orçamento da União e doações de instituições internacionais ¿ item que preocupa alguns especialistas. No início da semana, Minc já havia reforçado a aposta brasileira no envio de dinheiro dos países ricos para o Brasil cumprir suas próprias metas ambientais. Entretanto, há quem alegue que o Brasil não deveria contar com a ajuda externa.

¿Acredito que o governo não terá os benefícios que almeja, uma vez que o destino desses recursos internacionais está cotado para países de economia mais fragilizada e menos desenvolvidos que a gente¿, antecipa a especialista em mudanças climáticas do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Ícone), Laura Antoniazzi.

A opinião de Laura é a mesma do professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Eduardo Viola. ¿O Brasil tem condições de agir porque tem capital humano e boas ideias, mas precisa colocar mais dinheiro próprio se quiser ver resultados.¿

Apesar do temor dos especialistas, nem todas as ações previstas no plano seriam dependentes de ajuda externa, como, por exemplo, a diferenciação de alíquotas na tributação dos produtos ambientalmente corretos (veja quadro). O projeto de lei também prevê a publicação de um inventário permanente sobre a emissão de gases poluentes no Brasil ¿ o último é de 1994.

1 - Gestão O Fundo Nacional sobre Mudanças Climáticas será administrado por um comitê gestor ligado ao Ministério do Meio Ambiente e terá seis representantes do Executivo e cinco do setor não governamental, além de um regulamento que definirá suas competências.

Dinheiro verde

Veja o que o fundo prevê para executar o Plano Nacional de Mudanças Climáticas:

Reservar 6% de royalties do petróleo para prevenção do desmatamento e outras ações de enfrentamento à emissão de gases poluentes

Destinar parte de recursos do Orçamento da União para a mesma finalidade

Contar com o repasse de instituições financeiras internacionais.

Debates e muita polêmica

A aprovação do Plano Nacional de Mudanças Climáticas ¿ ocorrida na terça-feira, um dia antes da votação do fundo ¿ foi repleta de discussões. No entanto, o fato de o texto ter passado na Câmara não significa que as polêmicas tenham sido diluídas. A indefinição de metas para a redução da emissão dos poluentes, por exemplo, foi um dos pontos criticados por alguns parlamentares.

¿Perdemos a oportunidade de nos posicionarmos. Não acredito que o governo brasileiro possa defender por muito tempo uma proposta de redução da emissão de poluentes da ordem de 40% até 2020 se não tem dados responsáveis que comprovem que podemos chegar a esse resultado¿, critica o deputado Rodrigo Loures (PMDB¿PR), citando o último inventário de emissão de poluentes no Brasil, concluído há 15 anos. ¿Sem a meta, não temos como colocar o plano em ação. A mobilização agora é para que o tema chegue a ser discutido no Senado, porque na Câmara corremos contra o tempo para atender o calendário de Copenhague.¿

O deputado Antônio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP) endossa a crítica do colega e vai além: ¿Eles (os governistas) não se entendem. Têm divergências entre a turma do meio ambiente e o Itamaraty sobre a definição de metas. Por que aqui (no Congresso) seria diferente?¿, argumenta.

A falta de objetividade também foi destacada pelo líder do PV na Câmara, deputado Sarney Filho (MA). ¿Não é a proposta ideal, porque ainda é genérica, mas se soubermos fazer a coisa certa, acredito que dará algum resultado¿, acredita o ambientalista. ¿Só não podemos nos deixar levar pelo retrocesso e afrouxar as leis ambientais aqui, porque soa como se quiséssemos agradar à comunidade internacional e, por outro lado, retroceder com os nossos compromissos internos.¿ (DS)

Não é a proposta ideal, porque ainda é genérica, mas se soubermos fazer a coisa certa, acredito que dará algum resultado¿

Sarney Filho, deputado do PV-MA

Menos poluentes

Veja os principais pontos aprovados para o Plano Nacional de Mudanças Climáticas na Câmara:

Obriga o governo a fazer inventário sobre as emissões de poluentes;

Define planos setoriais para a redução das emissões de gases de efeito estufa;

Prioriza, nas licitações, tanto as públicas quanto as realizadas em parcerias, propostas que apresentem maior economia de energia e água e redução de gases do efeito estufa e de resíduos;

Cria instrumentos fiscais e tributários para diferenciar as alíquotas na tributação dos produtos. Ou seja, produtos ambientalmente corretos serão beneficiados em detrimento dos poluentes;

Coloca os créditos de carbono em negociação como títulos mobiliários, no âmbito da Bolsa de Valores e de entidades de balcão organizado;

Impõe, como diretriz de governo, a substituição gradativa dos combustíveis fósseis por combustíveis renováveis.