Título: Por um passo
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 30/10/2009, Mundo, p. 22

Falta o voto no plenário do Senado para o Brasil ratificar a adesão da Venezuela ao Mercosul. Ingresso dependerá apenas do Paraguai

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou ontem a uma Caracas sob racionamento de água e luz com uma boa notícia para o presidente Hugo Chávez: falta apenas mais um passo para o Brasil ratificar a adesão da Venezuela ao Mercosul. Depois de um debate acirrado, os senadores da Comissão de Relações Exteriores (CRE) aprovaram ontem, por 12 votos contra cinco, o protocolo de ingresso do país no bloco. O parecer do líder governista na comissão, Romero Jucá (PMDB-RR) vai agora ao plenário do Senado ¿ em uma a três semanas, na avaliação de Jucá ¿, e a expectativa é de que seja aprovado. Restará apenas para Chávez esperar a ratificação do Senado paraguaio.

Os argumentos dos 18 congressistas para defender ou rejeitar a entrada da Venezuela no Mercosul variaram de aspectos econômicos a político-ideológicos. O relator da comissão, Tasso Jereissati (PSDB-CE), viu seu parecer, contrário à adesão, derrotado por 11 votos a seis, com uma abstenção. No texto, ele sustentava que o governo de Caracas não cumpriria com a ¿cláusula democrática¿ do bloco, presente no Protocolo de Ushuaya. ¿Os jornalistas estão na prisão, os servidores públicos são obrigados a se filiar ao partido oficial, há presos políticos¿, acusou Jereissati. O senador tucano destacou ainda que várias disputas do Brasil com vizinhos foram incentivadas pelo presidente venezuelano: com a Bolívia, pela extração de gás; com o Equador, por pagamentos de dívida externa; com o Paraguai, por energia elétrica; e, no mês passado, o presidente venezuelano teria complicado a diplomacia brasileira, obrigada a acolher o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, na embaixada em Tegucigalpa.

Polêmica A oposição questionou ainda se Chávez respeitará os acordos já assinados pelo Mercosul, levantando como exemplo a associação comercial com Israel, país com o qual a Venezuela rompeu relações no início do ano, por causa da guerra com os palestinos em Gaza. Em resposta, Romero Jucá ressaltou que as relações econômicas serão favorecidas com a integração da Venezuela, hoje o quinto parceiro comercial do Brasil. ¿Quem está aderindo não é o atual governo venezuelano, mas o país vizinho, com o qual o Brasil sempre manteve boas relações, hoje profundamente adensadas¿, argumentou. ¿Não ampliamos a democracia isolando ninguém. Se existem problemas, e eu reconheço que existem problemas, o remédio é integração, abertura¿, completou.

O líder da oposição, senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), chamou a atenção dos colegas para o fato de que até os que votariam a favor da entrada da Venezuela admitiam que o governo de Chávez é um problema na região. ¿Estamos antecipando a missa de sétimo dia do Mercosul¿, anunciou. ¿Tenho a certeza quase absoluta de que estamos dando um voto de morte para uma união que poderia superar economicamente a Alemanha, se tivesse seguido os rumos adequados¿, concluiu. Ele ressaltou que as trajetórias dos ¿ditadores¿ da América do Sul começa com o cerceamento da oposição e da imprensa e termina com a morte do líder ou um conflito armado. Para Virgílio, a vítima de Chávez pode ser a Guiana, já que num ataque à Colômbia ou ao Brasil ele sairia ¿fragorosamente derrotado¿.

O ingresso da Venezuela no Mercosul seguirá para o plenário do Senado. Jucá disse ao Correio que não espera que a matéria se arraste. ¿Em uma ou duas semanas teremos votado¿, espera. Hugo Chávez entrou em 2006 com o pedido de adesão, já ratificado pela Argentina e pelo Uruguai. A questão continua tramitando no Parlamento paraguaio, que adiou a votação para 2010.

Estamos antecipando a missa de sétimo dia do Mercosul¿

Artur Virgílio,senador (PSDB-AM)

Quem está aderindo não é o atual governo venezuelano, mas o país¿

Romero Jucá,senador (PMDB-RR)

Encontro em Caracas

Além de analisar a entrada da Venezuela no Mercosul, Lula e Chávez devem assinar hoje os últimos acordos para a incorporação da petroleira venezuelana PDVSA à refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. A negociação se arrasta desde 2005, e a Petrobras já deu início às obras sem a sócia. Para a estatal brasileira, a estimativa inicial era de um custo de US$ 4 bilhões, mas o cálculo já foi revisto para US$ 12 bilhões. A PDVSA, como futura detentora de 40% da empresa, deverá ajudar com o custo proporcional das ações.

A agenda prevê que Chávez e Lula visitem uma plantação de soja no vilarejo de El Tigre, cultivada com apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A ministra da Casa Civil e pré-candidata do PT à presidência, Dilma Rousseff, acompanha o presidente na cerimônia de inauguração do Consulado-Geral do Brasil e do escritório da Caixa Econômica Federal (CEF), ambos em Caracas. Outros integrantes da comitiva são os ministros das Relações Exteriores, Celso Amorim, de Minas e Energia, Edison Lobão, e das Comunicações, Hélio Costa, além da presidenta da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Coelho.

Lula e Chávez planejam revisar um projeto de desenvolvimento entre os estados de Bolívar (no sul da Venezuela) e Roraima (norte do Brasil). Durante a última década, a Venezuela tem mostrado interesse em fortalecer os vínculos comerciais com o norte do Brasil, onde calcula que exista um mercado potencial de 30 milhões de habitantes. Os dois presidentes pretendem assinar também acordos da Corporação Elétrica Nacional (Corpoelec) com empresas e organismos brasileiros para a constituição de comissões técnicas, que deverão avaliar o fornecimento de materiais elétricos, com possibilidades de transferência tecnológica.

Nas últimas semanas, a Venezuela vem sofrendo cortes de eletricidade e água. Chávez chegou a pedir à população que demore apenas três minutos no banho. ¿Um minuto para se molhar, outro para se ensaboar e o terceiro para se enxaguar. O resto é desperdício¿, recomendou. ¿A verdade é uma só: o governo não planejou, não investiu nem fez a manutenção no momento certo¿, criticou a presidenta do Comitê dos Afetados pelos Apagões, Aixa López. (VV)

Avanço em Honduras

A comissão do governo interino de Honduras aceitou ontem o pedido do presidente deposto, Manuel Zelaya, de que o Congresso decida se ele terá ou não seu poder restituído. ¿Falta apenas assinar (o acordo) porque, simplesmente, aceitamos que o Congresso Nacional decida (sobre a restituição). Ou seja, exatamente a proposta da comissão de Zelaya¿, afirmou Arturo Corrales, integrante da equipe do presidente interino, Roberto Micheletti. O impasse foi resolvido em um encontro das comissões de ambos líderes com Thomas Shannon, subsecretário de Estado americano para o Hemisfério Ocidental.

Convidados pela Organização dos Estados Americanos (OEA) a participar do encontro, Shannon e membros da delegação dos Estados Unidos pressionaram os grupos para que chegassem a um acordo. ¿Sobre o diálogo nacional, o tempo está acabando, só temos um mês antes das eleições de 29 de novembro¿, alertou. O subsecretário adiou para hoje seu retorno a Washington, a fim de acompanhar o diálogo entre Micheletti e Zelaya, que estava suspenso havia oito dias.

Haia O fato de o governo interino ter denunciado o Brasil no Tribunal Penal Internacional, em Haia (Holanda), por ingerência em assuntos internos não parece preocupar as autoridades brasileiras. Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores garantiu à agência de notícias EFE que a ação ¿sequer será recebida¿ pelo tribunal, pois este faz parte da Organização das Nações Unidas, que não reconhece a legitimidade do governo hondurenho. Ele acredita que a corte aplicará ¿o princípio da ilegitimidade ativa¿ para recusar a ação.

Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil, defendeu o posicionamento brasileiro quanto ao conflito em Honduras antes de um jantar com políticos do Partido Progressista (PP). ¿Nossa posição representa a nossa convicção de respeito aos direitos humanos, direito internacional e respeito ao que é estipulado sobre direito de abrigo¿, explicou. Ela destacou que não se pode considerar ¿a posição do governo golpista como consequente¿. Em nota, o governo de Honduras ressaltou ter entrado com o recurso na última quarta-feira porque o Brasil permitiu que Zelaya fizesse discursos políticos na embaixada.