Título: Abalo em 85% do PIB mundial
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 01/11/2009, Economia, p. 16

O planeta começa a sair da mais forte crise econômica desde os anos 1930, com os países ricos amargando séria recessão e tentando curar feridas. Somente em 2011, segundo avaliação do FMI, recuperação estará finalizada

Superada a fase mais aguda da crise internacional, é possível fazer um balanço concreto dos estragos produzidos. De acordo com as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), 89 dos 182 países-membros sofrerão contração no Produto Interno Bruto (PIB) este ano. Essas nações são responsáveis por 85% da geração de riquezas no planeta. Com a recuperação progressiva, o número dos que andarão para trás deve cair para 18 em 2010 e para zero em 2011, quando a retomada do nível de atividade estaria completa. Ainda assim, governos devem manter incentivos.

¿Está sendo uma recuperação extremamente rápida. Isso mostra que se aprendeu a lição da Grande Depressão dos anos 1930. O mundo está respirando aliviado porque houve uma mobilização sem precedentes dos governos e bancos centrais, diferentemente do que ocorreu após a quebra da Bolsa de Nova York em 1929¿, avalia o professor Antônio Correa de Lacerda, da PUC-SP. Segundo as últimas estimativas, os tesouros nacionais e as autoridades monetárias globais injetaram US$ 10 trilhões no mercado, em forma de auxílio aos bancos, cortes de impostos e aumento de gastos públicos, para estabilizar o sistema financeiro e estimular a economia.

Levantamento do Correio sobre o desempenho de 18 das mais significativas economias mostra que os países emergentes se saíram melhor (veja mapa). China, Índia e Coreia do Sul nem chegaram a entrar em recessão, enquanto Brasil e Rússia encolheram brevemente e passaram para o terreno positivo. Apenas o México, que tem o destino atrelado ao dos norte-americanos, não iniciou a recuperação. Entre os ricos, Estados Unidos, Japão, Alemanha, França e Austrália enfrentaram um pesado retrocesso, mas começaram a sair do atoleiro. Reino Unido, Itália, Espanha, Canadá, Holanda, Suíça e Bélgica ainda estão na lama.

¿Esses países centrais têm ligações estreitas com os EUA e estão apanhando muito. Como os bancos atuam internacionalmente, a contaminação ocorreu pelo canal financeiro. A parte mais rica pode até crescer nos próximos anos, mas de forma medíocre, em especial os EUA, a Zona do Euro e o Reino Unido¿, prevê a economista Alessandra Ribeiro, especialista em economia internacional da Tendências Consultoria. A expansão norte-americana de 0,9% de julho a setembro, depois de quatro trimestres de queda, é insuficiente para animar as demais nações avançadas. Nelas, os problemas bancários, o enxugamento na concessão de crédito e o desemprego em alta ainda atrapalham.

Nas economias avançadas, só a Austrália vai fechar o ano com leve aumento no PIB ( 0,73%). Nesse grupo, o recuo deve ser de 3,43%. Os EUA devem encolher 2,7%; a Zona do Euro, 4,1%; o Japão, 5,3% e o Reino Unido, 4,3%. As nações em desenvolvimento crescerão 1,7% em conjunto, com destaque para China (8,5%) e Índia (5,3%). Bem abaixo, o Brasil: 1% na visão do Ministério da Fazenda. México e Rússia despencarão mais de 7%. ¿Com base no mercado interno, chineses e indianos não entraram em recessão. Essa força ajudou os outros emergentes a vender commodities agrícolas e minerais. Além disso, os bancos em lugares como o Brasil estão saudáveis¿, explica Alessandra.

Segundo as projeções do FMI, o melhor desempenho neste ano será, curiosamente, do Afeganistão (15,66%), envolto numa guerra há oito anos entre a milícia talibã e as forças dos EUA. Como sua economia é pequena, qualquer avanço é grande. O segundo lugar caberá ao Catar, movido por petróleo, construção civil, turismo e comércio de luxo. Na ponta de baixo da tabela, estão as piores performances: Lituânia (-18,50%), Letônia (-18,01%), Armênia (-15,60) e Ucrânia (-14%). Todos dependem do comércio com a Rússia.

Na avaliação da economista da Tendências, a recuperação americana no terceiro trimestre é ¿meio falsa¿: só foi alcançada por causa do caminhão de incentivos dados pelo governo, que vem torrando US$ 787 bilhões em investimentos, cortes de impostos e subsídios. Numa resposta direta a dois programas governamentais, os principais segmentos que moveram a economia entre julho e setembro foram a produção de automóveis e o setor imobiliário, origem de toda a crise ainda em 2007. Para trocar de carro ou comprar a primeira casa, os trabalhadores ganharam um cheque do Tesouro sem necessidade de devolver o dinheiro. Em consequência, a negociação de imóveis novos subiu 23,4%.

O país saiu da recessão técnica(1), mas o Escritório Nacional de Pesquisa Econômica (NBER, na sigla em inglês) ainda não se pronunciou sobre o assunto. O órgão, responsável por apontar o início e o fim dos ciclos econômicos no país, determinou que a atual recessão começou em dezembro de 2007. Como o próprio presidente Barack Obama admitiu, é certo que a retomada do caminho da prosperidade será lenta. O Departamento do Trabalho assegura que o pacote criou ou preservou 1 milhão de empregos neste ano, mas a taxa de desocupados subiu para 9,8%, a maior em 26 anos. ¿Durante um bom tempo, o mundo não poderá contar com o impulso do consumo norte-americano¿, diz Alessandra.

Os governos das principais economias, reunidos no grupo do G-20, decidiram retirar os estímulos de forma coordenada. O diagnóstico é de que, sem o empurrão do dinheiro público, a atividade privada não consegue sustentar a recuperação. O Reino Unido deve anunciar nesta semana um novo programa de compra de ativos podres. As autoridades preparam a estratégia de saída da crise, considerada a maior nos últimos 70 anos, mas não fizeram todo o dever de casa. ¿Não aproveitaram a oportunidade para reformular a regulamentação do setor financeiro. Assim, a porta continua aberta para novos problemas¿, lamenta Lacerda.

1 - Comparação De acordo com o consenso entre as autoridades econômicas do mundo, um país entra em recessão técnica quando seu Produto Interno Bruto (PIB), soma de todas as riquezas produzidas num ano, cai por dois trimestres seguidos. A comparação deve ser feita com o trimestre imediatamente anterior. O Brasil entrou em recessão, por exemplo, quando o PIB recuou no quarto trimestre de 2008 e no primeiro de 2009, voltando a crescer entre abril e junho. Para determinar os ciclos econômicos, o governo dos Estados Unidos leva em consideração outros fatores, como o nível de emprego e a confiança de empresários e consumidores. (RA)

Não aproveitaram a oportunidade para reformular a regulamentação do setor financeiro. Assim, a porta continua aberta para novos problemas¿

Antônio Correa de Lacerda, professor da PUC-SP, sobre os países ricos