Título: Um sumidouro de recursos públicos
Autor: Ribeiro, Luiz
Fonte: Correio Braziliense, 02/11/2009, Política, p. 4

TCU encontra uma coleção de irregularidades na construção de três barragens em Januária (MG)

O governo libera os recursos, mas eles acabam não chegando ao destino ou sendo mal aplicados. Esse é o círculo vicioso da corrupção no Brasil, que se reflete em Januária (norte de Minas), onde a construção de três barragens ¿ Sumidouro, Capivara e Marreca ¿motivaram ações judiciais contra três ex-prefeitos e uma empreiteira. Os investimentos estavam previstos em convênios firmados pela prefeitura com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) entre 2002 e 2005. Porém, mesmo com a liberação da verba, as obras não foram concluídas ou acabaram malfeitas. O Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério Publico Federal (MPF) e a própria Codevasf tomaram medidas judiciais para tentar recuperar o dinheiro, mas não se sabe por quanto tempo os processos vão se arrastar.

A reportagem percorreu cerca de 260 quilômetros de estradas de terra na zona rural de Januária, maior município de Minas (6,69 mil quilômetros quadrados). A cidade se tornou conhecida também por causa das sucessivas trocas no comando da prefeitura: de 2004 a 2008, foram sete. Seis por denúncias de irregularidades.

A situação mais grave está em Sumidouro, onde deveria ter sido construída uma barragem no Córrego dos Cochos, com R$ 149 mil liberados em maio de 2004. De acordo com representação do MPF, na gestão do ex-prefeito Josefino Lopes Viana (PP), a prefeitura pagou R$ 59.766,69 à empreiteira Terranorte, para a execução de 40% da obra. A mesma empresa recebeu mais R$ 50 mil em 6 de outubro de 2005, na gestão do ex-prefeito João Ferreira Lima (PSDB). A obra não foi feita.

Em setembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) condenou Viana e a Terranorte a devolverem, solidariamente, R$ 127,8 mil à Codevasf. Já o ex-prefeito João Ferreira Lima terá de devolver R$ 100,5 mil também com a empreiteira. A assessoria jurídica da Codevasf em Minas informou nesta semana que, mesmo com a condenação do TCU, os dois ex-prefeitos e a empresa envolvida somente serão obrigados a devolver os recursos depois de responderem ação na Justiça.

Enquanto isso, os moradores reclamam da falta de água. É o caso de Vicente Durães, que mora a 300m do local escolhido para a construção da barragem. Pai de oito filhos, ele recebe água captada da cisterna de um vizinho. Como o Córrego dos Cochos fica seco na maior parte do ano, não pode desenvolver uma atividade em sua terra para reduzir a pobreza. ¿Eu queria criar umas vaquinhas para a gente ter pelo menos um leitinho para as crianças. Mas sem água não tem jeito¿, reclama.

Segundo o secretário de Planejamento de Januária, Roberto Coutinho, até o início da semana passada, quando a região ainda enfrentava as consequências da estiagem prolongada, o município contava com cerca de 3 mil pessoas ¿ de 32 comunidades ¿ atendidas por cinco caminhões-pipas, quatro deles cedidos pelo Exército.

Capivara

Em outro ponto de Januária, foi construída a barragem de Capivara. A obra, que consumiu R$ 137,6 mil, chegou a ser concluída, mas com vazamentos graves. Segundo Pedro Figueiredo, engenheiro da prefeitura, a barragem encheu no período chuvoso do início do ano, mas quando veio a estiagem, o nível reduziu bastante, como consequência dos vazamentos. A construção da barragem de Marreca, que levou outros R$ 143,76 mil, sequer foi concluída. Na ação civil ajuizada pelo MPF, a obra é apontada como parte de um esquema de favorecimento à empreiteira nas licitações para a construção. ¿Fizeram a barragem num lugar onde não junta água. A barragem só enche se cair um dilúvio¿, observou Figueiredo.

Fizeram a barragem num lugar onde não junta água. A barragem só enche se cair um dilúvio¿

Pedro Figueiredo, engenheiro da prefeitura de Januária