Título: O preço do atraso
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 02/11/2009, Economia, p. 10

Falta de investimento público e privado em pesquisa faz Brasil ficar em 42º lugar no ranking mundial da inovação

O Brasil ocupa o 42º lugar num ranking de inovação tecnológica feito pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Numa lista de 48 nações desenvolvidas e emergentes, está à frente apenas do México, África do Sul, Argentina, Índia, Letônia e Romênia (veja quadro). Entre os principais concorrentes de renda média, o país perde para a Coreia do Sul (8°), Rússia (29º) e China (34º), por exemplo. O baixo investimento público e privado em pesquisa, as deficiências nas políticas de incentivo e a qualidade ruim da formação profissional funcionam como um freio, atrapalhando a expansão sustentada da economia brasileira.

¿Com esse quadro negativo na inovação, o aumento da produtividade em médio e longo prazos fica muito prejudicado. Se o país quiser seguir a trilha do crescimento num ritmo mais acelerado, sem inflação e com elevação na renda real dos trabalhadores, vai ter que enfrentar o desafio de mudar esse cenário¿, afirma o economista Carlos Pacheco, professor da Unicamp. Pacheco escreveu o estudo Indicadores selecionados sobre o desempenho do Brasil em inovação, analisando os dados da OCDE a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O pódio no ranking da organização é ocupado por Suécia, Suíça e Finlândia. Os Estados Unidos, donos da maior economia do mundo, estão em 6º lugar.

Segundo dados do Ministério da Ciência e Tecnologia, o Brasil investiu R$ 32,57 bilhões em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e processos produtivos (P&D) no ano passado, o equivalente a 1,13% do Produto Interno Bruto (PIB). É o maior percentual nos últimos 10 anos, mas não representa um crescimento significativo em relação a 2007 (1,10%). O campeão na aplicação de recursos públicos e privados é Israel (4,7% do PIB), que tem um forte complexo industrial militar. A Coreia do Sul, que deu um salto tecnológico nos últimos 35 anos e ganhou competitividade no mercado internacional de eletrônicos e automóveis, injeta o correspondente a 3,2% do PIB em P&D e os EUA, 2,6%.

Na avaliação de Pacheco, é difícil aumentar o percentual de investimentos em inovação de uma hora para outra, mas alcançar a meta de 1,5% num prazo de até 10 anos seria factível. ¿O pressuposto é elevar um pouco a aplicação de recursos públicos na forma de estímulos fiscais aos projetos do setor privado e aumentar a eficiência dos programas de financiamento. No mundo, cada dólar gasto pelo governo alavanca, em média, US$ 2,5 investidos pelas empresas. No Brasil, essa proporção é mais ou menos de um para um¿, afirma. Nos cálculos do ministério, o setor público gasta 0,60% do PIB com essa atividade no país, enquanto o privado contribui com 0,52%.

Os três níveis de governo gastam 0,16% do PIB com incentivos à pesquisa privada, seja com cortes de impostos ou subvenções. Não é um valor pequeno se comparado com outros países, como os EUA (0,22%) e a França (0,18%). Segundo Pacheco, entretanto, o número é enganoso, pois a Lei de Informática é responsável por quase 70% das despesas. ¿Essa lei não é propriamente de estímulo à pesquisa. É uma compensação tributária para os outros estados não saírem perdendo para a Zona Franca de Manaus¿, diz. Tirando esse efeito, o apoio se reduz a 0,05% do PIB. Os demais programas oficiais têm poucos recursos.

O diretor de Competitividade da petroquímica Braskem, Antônio Queiroz, acredita que os incentivos governamentais ainda são limitados e ineficientes, apesar de avanços recentes, como a Lei do Bem. Para ele, é preciso haver um relacionamento mais estreito entre as indústrias e as agências de fomento à pesquisa, como a federal Finep e a paulista Fapesp. ¿Esses órgãos deveriam colocar dinheiro nas empresas e não só apoiar pesquisas nas universidades. A inovação no ambiente da fábrica cria parques industriais mais competitivos, com uma maior produtividade¿, diz.

Para o diretor de Pesquisa e Tecnologia da Natura, Daniel Gonzaga, a capacitação técnica possibilitada pelo investimento em P&D é necessária para que os produtos exportados tenham maior valor. Apostando mais nos itens manufaturados desenvolvidos nas indústrias com o apoio público, o país poderia diminuir sua dependência das vendas externas de commodities. Gonzaga também cobra uma atitude diferente das empresas. ¿Elas precisam estar preparadas para aproveitar os financiamentos e usufruir dos incentivos. Isso exige uma mudança cultural. Se não investirmos em inovação, não sairemos do lugar¿, diz.

Tecnologia é fator de sobrevivência

Uma em cada três indústrias brasileiras modifica ou desenvolve produtos num prazo de até dois anos, segundo pesquisas feitas no setor. O economista Carlos Pacheco, professor da Unicamp e consultor da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), atribui esse índice à necessidade de sobreviver num mercado cada vez mais competitivo. Submetidas a uma concorrência forte, as empresas que exportam são as que mais investem em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Existem bons exemplos de programas no Brasil, como os da petroquímica Braskem e da fabricante de cosméticos Natura.

Segundo o diretor de Competitividade e Inovação da Braskem, Antônio Queiroz, a empresa estimula um ambiente favorável ao desenvolvimento de novos produtos e processos de fabricação. Funcionários de todos os setores, inclusive da área comercial e de marketing, contribuem com ideias que podem ser concretizadas. O programa já avaliou 1,3 mil sugestões, que deram origem a 450 projetos, com 150 produtos lançados até agora. A vedete é o plástico verde, criado a partir do álcool etanol. Ele é igual ao de derivados de petróleo, mas em vez de emitir gás carbônico na produção, captura o poluente no ar.

¿É uma contribuição ao meio ambiente, mas também é uma questão de mercado. Muitos países importantes, como o Japão, os Estados Unidos e os membros da União Europeia, estão pagando mais por produtos renováveis¿, afirma Queiroz. Para cumprir a meta de fazer 200 mil toneladas do plástico verde por ano a partir de 2010, a fábrica vai absorver a produção integral de duas usinas de cana-de-açúcar. ¿O desenvolvimento de novos produtos geralmente tem um efeito multiplicador na economia, o que beneficia todo o país.¿

Na divisão de polímeros, a empresa investe 0,7% da receita líquida em P&D. Itens desenvolvidos nos últimos três anos são responsáveis por 17% do faturamento da área de polietileno, polipropileno e PVC, nível que Queiroz considera ¿impressionante¿ para uma indústria madura, como a de plásticos. A Braskem tem R$ 330 milhões investidos nos laboratórios dos seus dois centros de pesquisa, onde trabalham 170 profissionais. Além disso, possui oito plantas-piloto, espécies de fábricas em miniatura para produzir algumas toneladas dos itens novos e entregá-los para que os clientes os testem. Assim, o risco dos compradores diminui.

Na avaliação do diretor de Pesquisa e Tecnologia da Natura, Daniel Gonzaga, o investimento em P&D num segmento como o de cosméticos não é uma opção. ¿É uma questão de vida ou morte¿, diz. A empresa aplica 3% da receita líquida todo ano em inovação. Em 2008, 125 produtos foram lançados com base nas ideias dos seus 170 pesquisadores, que se dividem em três centros de pesquisa, um deles em Paris. Segundo Gonzaga, 70% das receitas da empresa vêm da venda de itens criados nos últimos dois anos. ¿Nossos maiores concorrentes são multinacionais poderosas. Imagina o que aconteceria se não renovássemos a nossa linha.¿

A Natura cria itens de cosmético e perfumaria com base em ingredientes naturais de diversas biodiversidades sul-americanas, como a Amazônia, o pantanal, o cerrado, os pampas gaúchos e a Patagônia (Argentina e Chile). Gonzaga dá como exemplos uma linha de cuidados para o rosto com passiflora, uma substância encontrada no maracujá, cremes e esfoliantes de açaí e sabonetes em forma de massinha para tornar o banho das crianças mais interessante. A empresa desenvolve parte das pesquisas em parceria com fornecedores e universidades. (RA)