Título: Crise: chance para combater a pobreza
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 02/11/2009, Economia, p. 11

Organização Internacional no Trabalho cria piso social na tentativa de fazer países em desenvolvimento transferirem renda para população carente.

Tirar parte significativa da população da linha da pobreza pode custar menos do que se imagina e ser uma política acessível, inclusive para países pobres. Estimativas apresentadas por pesquisadores da Organização Internacional do Trabalho (OIT) durante seminário sobre a ampliação da cobertura da proteção social na América Latina indicam que o custo de reduzir a pobreza em 50% pode variar entre 0,9% e 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país.

A diferença de um para outro está no foco: o menor percentual trata de atacar a pobreza apenas entre os adultos maiores de 65 anos, enquanto que o percentual mais elevado abrange toda a parcela de pessoas carentes, independentemente da faixa etária em que se encontram.

A crise é o combustível que está movendo a ampliação da cobertura. Como reação à desaceleração da economia mundial e seus impactos, principalmente entre a população mais vulnerável, a OIT criou o conceito de piso social(1) básico e está tratando de incentivar os países latino americanos a instituírem ou ampliarem esse tipo de benefício.

¿Só o aumento da cobertura dos benefícios previdenciários não basta porque existe uma parcela significativa da população sem capacidade contributiva¿, reconheceu o secretário de Políticas de Previdência Social, Helmut Schwarzer. De acordo com Helmut, o Bolsa Família atende quase 12 milhões de famílias a um custo de 0,6% do PIB. ¿Esse programa e seus antecessores são responsáveis pela queda de 30% na concentração de renda do país¿, observou.

Já os benefícios pagos pela Previdência Social, especialmente os da área rural, resgataram 22,2 milhões de pessoas da linha da pobreza. Se não fosse o pagamento desses benefícios, o percentual de pobres no Brasil passaria dos atuais 30,3% para 42,4%. No Brasil, é considerado abaixo da linha de pobreza quem tem renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo.

O coordenador para as Américas do Departamento de Seguridade Social da OIT, Vinícius Carvalho Pinheiro, classificou de desafio a meta de inclusão de 43,3 milhões de pessoas nos sistemas de seguridade social dos países latino americanos até 2015. Para que esse ideal seja atingido, Pinheiro acredita que será necessária a adoção de outras medidas, como por exemplo, a exigência , por parte do setor público, do certificado de regularidade previdenciária das empresas prestadoras de serviço. Ele também sugere um incentivo às famílias para que elas registrem formalmente seus empregados domésticos. ¿As contribuições feitas à Previdência poderiam ser deduzidas do Imposto de Renda¿, sugere.

Proteção Além da ampliação da cobertura previdenciária, que faz parte da Agenda Hemisférica do Trabalho Decente, ganham força na América Latina os programas de transferências condicionadas, como é o caso brasileiro da Bolsa Família. Só ganha o benefício quem tem filhos na escola.

Segundo o coordenador para Programas de Proteção Social e Transferências Monetárias do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)/Brasil, Fábio Soares, 14 países possuem programas em funcionamento. Além do Brasil, existem programas com foco nas famílias pobres no México, Chile, Argentina, Uruguai, Costa Rica, Paraguai, República Dominicana, Colômbia, Peru, Panamá, El Salvador, Guatemala, Equador e Bolívia.

Os programas com maior índice de cobertura são o brasileiro e o mexicano, chamado de Oportunidades. Os dois alcançam, aproximadamente, 25% da população de cada país. ¿ O impacto é forte pela boa focalização e o benefício não é alto para que o trabalho seja desestimulado¿, afirmou. Entre os efeitos positivos, Soares citou o estímulo à participação das famílias em pequenos negócios. O programa mexicano atende a 5,2 milhões de famílias. A meta é chegar a 5,8 milhões.

Já o desafio brasileiro é atingir famílias sem registro ou moradia fixa, disse a assessora do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Cristina Cotta. ¿Consideramos que estamos perto de atingir o objetivo de universalização do atendimento desse segmento da população¿, disse.

1- Conceito Piso social é o nome que a Organização Mundial do Trabalho (OIT) dá aos benefícios não contributivos, pagos pelos governos à população pobre de seus respectivos países. O objetivo desse tipo de transferência é amparar, na velhice, parcela significativa da população que durante a vida laboral não teve renda suficiente para garantir uma renda previdenciária, de natureza contributiva.

Benefício criticado

Enquanto o Bolsa Família e ampliação da cobertura previdenciária receberam elogios durante o seminário da OIT, o benefício da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) foi bastante criticado pelos estudiosos em proteção social e previdenciária. ¿ A Loas é um benefício que está mal posicionado¿, disse Vinícius Carvalho, do Departamento de Seguridade Social da OIT.

De acordo com o pesquisador, o problema da Loas ¿ que é um benefício não contributivo, pago aos idosos pobres e aos deficientes ¿ começa pelo valor. Ele equivale ao salário mínimo do país, portanto, igual ao piso previdenciário contributivo. Outro problema é a idade de concessão, de 65 anos, idêntica à da aposentadoria por idade dos contribuintes homens urbanos.

¿Tecnicamente, o piso de um programa social deve ser diferenciado do piso previdenciário, assim como a idade de concessão, de tal forma que um não interfira no outro¿, observou. Pelos dados disponíveis, os benefícios assistenciais somam 3,4 milhões e custam, todo mês, R$ 1,58 bilhão. (VC)