Título: Economia limpa em debate
Autor: Oliveto, Paloma
Fonte: Correio Braziliense, 02/11/2009, Ciência, p. 18

Encontro preparatório para a conferência sobre mudanças climáticas da ONU começa hoje na Espanha. Desafio é produzir um texto a ser negociado em dezembro, na Dinamarca, para substituir o Protocolo de Kyoto

Barcelona ¿ Quando delegados de 192 países se debruçarem, hoje, sobre o texto que será negociado em Copenhague, na 15ª Conferência das Partes das Nações Unidas (COP 15), que ocorre no próximo mês, o que estará em jogo é a transição para uma economia mundial de baixo carbono. Um desafio enorme, considerando-se que o resultado depende de negociações políticas, econômicas e diplomáticas. E também do empenho dos Estados Unidos em participar ¿ coisa que, até agora, não aconteceu. O país, que não ratificou o Protocolo de Kyoto, mantém a postura de recusar qualquer proposta de metas mensuráveis na redução de CO2 na atmosfera, caso nações em desenvolvimento, especialmente China e Índia, não façam o mesmo.

O debate há muito tempo ultrapassou o conceito de sustentabilidade ambiental, como observa Eduardo Viola, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e um dos maiores especialistas no Brasil em mudanças climáticas. ¿Clima não é ambiente. É a dimensão central no sistema internacional, implicado com segurança internacional, economia internacional e o ambiente internacional¿, diz. Um tema espinhoso, no qual interesses de países desenvolvidos, em desenvolvimento e pobres estão permanentemente em conflito.

Quando, em 1997, foi assinado o Protocolo de Kyoto, ratificado por 184 nações, o mundo ficou dividido em blocos. O chamado Anexo 1 engloba os países ricos, e o Anexo 2 agrega as nações em desenvolvimento, incluindo o Brasil, e as mais pobres. Embora todos tenham de se esforçar para reduzir as emissões de carbono, medida fundamental para frear o aquecimento global, apenas as nações desenvolvidas ficaram submetidas a metas numéricas. Tendo como base o ano de 1990, elas teriam de reduzir em 40% as emissões até 2020.

A lógica está no fato de que os mais ricos foram os que mais comprometeram a camada de ozônio, pois estão à frente no processo de industrialização. Da mesma forma, as nações que começaram a se desenvolver economicamente há pouco tempo e aquelas, como os estados-ilhas, que são predominantemente rurais, não podem pagar uma conta que não é delas. O problema é que nem todos concordam com isso e, para os negociadores dos Estados Unidos, os países em desenvolvimento, em especial aqueles que crescem rapidamente como a China e a Índia, também deveriam se comprometer com reduções estatísticas. Esse foi o principal motivo de os norte-americanos não terem ratificado Kyoto.

Para o secretário executivo do Fórum Mineiro de Mudanças Climáticas Globais, Milton Nogueira da Silva, também consultor internacional e ex-funcionário das Nações Unidas, esse deverá ser o ponto mais difícil das negociações de Copenhague. ¿Provavelmente, dado o vexame internacional que seria não aprovar o documento, eles (os Estados Unidos) podem aprovar o texto, mas com restrições. Na minha avaliação, o que pode dar errado é a posição dos Estados Unidos. A política externa norte-americana é paquidérmica, não depende só do presidente, mas do Congresso, que é de uma lentidão imensa¿, analisa.

Ainda assim, Nogueira acredita que na reunião informal de Barcelona e em Copenhague será costurado um acordo. Ele chama o processo de ¿big bang¿. ¿Nos últimos 20 anos, acompanhando as negociações das Nações Unidas, constatei que algumas se desenrolam rapidamente e outras não. Mas, ultimamente, está crescendo a manifestação da opinião pública internacional pela aprovação da convenção, e quem está negociando acaba sendo influenciado¿, diz. O especialista lembra que há por volta de 2,5 mil pontos de negociação e, com apenas 14 dias de reuniões pela frente ¿ cinco em Barcelona e nove na Dinamarca ¿, será impossível chegar a um acordo sobre todas essas questões. Porém, ele acredita que, ainda assim, o acordo sairá do papel.

Já Eduardo Viola está mais descrente. ¿Há quatro grupos-chave: Estados Unidos, União Europeia, China e Índia. Se um deles não chegar a um acordo, não há acordo¿, diz. Os EUA já tentaram se aproximar da China, com uma reunião realizada este ano, na qual propuseram um acordo bilateral. A ideia era que os chineses concordassem em entrar no Anexo 1 e trabalhassem com os norte-americanos por metas menos ambiciosas. Os diplomatas chineses ouviram, mas os representantes do EUA foram despachados para casa sem nenhuma resposta. Da mesma forma que o país de Barack Obama resiste a cumprir objetivos numéricos, a China é inflexível quanto à não obrigação de seguir metas determinadas internacionalmente.

Variáveis Viola também lembra que, mais do que reduzir a emissão de carbono na atmosfera, um acordo sobre o clima envolve outras variáveis, tão importantes quanto, o que dificulta o consenso mundial. Além das emissões totais, é preciso levar em consideração as emissões per capita, a intensidade das emissões e a taxa de crescimento dos países. ¿Quanto mais pobre um país, menor é sua eficiência energética. Isso significa um PIB (Produto Interno Bruto) baixo, mas com muito carbono¿, resume.

É caso, por exemplo, da Indonésia. Embora seja responsável por apenas 5% das emissões mundiais, a quantidade de carbono lançada em relação ao PIB é imensa: 3t por US$ 1 mil. Já nos Estados Unidos, maior emissor total, com 20%, a taxa é bem menor: 0,4t por US$ 1 mil. Os Emirados Árabes destacam-se pelo total emitido. Num país onde a temperatura média oscila entre 40ºC e 50ºC, foi construída uma estação de esqui artificial que consome, por dia, de 40 a 60 mil barris de petróleo. ¿É o maior vilão do carbono mundial¿, brinca Viola.

Duas outras questões importantes e polêmicas são a criação de um fundo de financiamento pelo qual os países desenvolvidos repassem recursos aos mais pobres ¿ para que possam se adaptar a uma economia de baixo carbono ¿ e a flexibilização do direito de propriedade intelectual para as nações em desenvolvimento. No primeiro caso, embora a necessidade do fundo seja consenso, não se chegou a um acordo para saber quem vai pagar a conta. No segundo, o grande problema é que as patentes ¿ cuja regulamentação internacional data de mais de 100 anos ¿, dificultam o acesso às tecnologias de eficiência energética pelos países em desenvolvimento.

A briga, portanto, é maior do que parece. Na reunião preparatória em Bangoc, realizada no mês passado, representantes do bloco G-77, do qual o Brasil faz parte, chegaram a sair de uma reunião em protesto contra o rumo das negociações. ¿A briga está começando a esquentar, mas a discussão continua focada no mesmo ponto básico: qual o nível de ambição dos países em relação ao clima?¿, aposta João Talocchi, da Campanha de Clima do Greenpeace Brasil.

Acompanhando as negociações das Nações Unidas, constatei que algumas se desenrolam rapidamente e outras não. Mas, ultimamente, está crescendo a manifestação da opinião pública internacional pela aprovação da convenção, e quem está negociando acaba sendo influenciado¿

Milton Nogueira da Silva, secretário executivo do Fórum Mineiro de Mudanças Climáticas Globais

A repórter viajou a convite da organização da COP 15

Divergência brasileira

Embora não faça parte do Anexo 1, o Brasil tem se destacado na liderança das negociações e, no que depender do Ministério do Meio Ambiente, chegará à 15ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 15), em Copenhague, com um plano que inclui metas ousadas de redução do desmatamento e das emissões de CO2 na atmosfera. De acordo com o ministro Carlos Minc, o país quer, até 2020, diminuir em 40% as emissões, o que significaria uma queda de 2,7 bilhões de toneladas para 1,7 bilhão por ano. Está prevista para amanhã uma reunião entre o MMA e o Itamaraty para discutir o plano.

Para chegar a esse nível de redução, o ministério aposta principalmente na queda do desmatamento, que vem caindo de forma contínua ¿ no fim da década de 1990, o índice era de 20 mil quilômetros quadrados e este ano deverá ficar abaixo de 12 mil. Carlos Minc já anunciou que a intenção é reduzir a taxa em mais 80%. ¿O problema é que o Brasil nem tem um inventário de florestas oficial para ter um parâmetro¿, observa João Talocchi, da Campanha de Clima do Greenpeace.

A outra metade da redução das emissões seria consequência de aperfeiçoamento das técnicas agrícolas (os fertilizantes jogam na atmosfera toneladas de óxido nitroso), aposta nos biocombustíveis e manejo sustentável na produção de carvão para a siderurgia. Tanta ousadia, porém, não dependeria apenas do orçamento nacional. A ideia é que 50% das reduções sejam financiadas por fundos internacionais.

A ousadia de Minc esbarra na resistência do Ministério de Ciência e Tecnologia, do Itamaraty e da Casa Civil em estipular em 20% a redução nas emissões de CO2, e não em 40%, como quer o ministro do Meio Ambiente. Além disso, o grupo sustenta que, em Copenhague, o Brasil não deve apresentar uma meta específica de redução, firmando o compromisso apenas no que diz respeito à queda do desmatamento. (PO)