Título: A reforma do eitinho no Senado
Autor: Pariz, Tiago; Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 04/11/2009, Política, p. 2

Projeto com regras administrativas na Casa abre margem para aumento do pagamento de horas extras a servidores. Heráclito Fortes determina análise para encontrar outras propostas ¿mal intencionadas¿

Funcionário faz faxina em túnel do Senado: caso propostas sejam implementadas, gastos públicos irão aumentar

Depois de tentar legalizar os salários de servidores acima do teto previsto na Constituição, a reforma administrativa do Senado abre mais uma brecha para interpretações que, se aplicadas, podem gerar aumento no gasto público da Casa, justamente na contramão das intenções da proposta. Um parágrafo mal elaborado trata a exceção como regra geral e permite que os servidores aumentem em 50% as horas extras trabalhadas por semana. Cansado dos jabutis (1)no projeto, o primeiro secretário, Heráclito Fortes, determinou a realização de um pente fino para encontrar outras propostas ¿mal intencionadas¿.

O texto das horas extras foi originalmente pensado para atender a demandas de três categorias do Senado: o serviço médico, a taquigrafia e a Polícia Legislativa, que são as que mais fazem hora extra por depender das votações em plenário que podem atravessar a madrugada em temas mais espinhosos. Mas o parágrafo 10 do artigo 68 ,sup>(2)não entra nessa especificidade. Diz somente que o pagamento adicional não pode exceder 50 horas trabalhadas na semana. São 40 horas contratuais e mais 10 de extras. Para a maioria dos servidores do Senado a regra é seis horas por semana, limitada de terça a quinta-feira ¿ no máximo, 26 horas por mês. Como a marcação da hora extra é uma bagunça, como classificou o primeiro-secretário Heráclito Fortes (DEM-PI), os funcionários já contabilizam esse adicional no salário.

Para dois servidores graduados do Senado, que participaram das discussões da reforma administrativa, o texto é vago e abre margem para essa interpretação. O relator do anteprojeto de resolução foi o advogado-geral da Casa, Luiz Fernando Bandeira de Mello. Procurado ontem, não quis conversar com a reportagem.

A cena, recorrente na Casa, foi pintada pelo próprio senador: servidores chegando às 18h30 de cabelo molhado e ajeitado, cumprindo protocolares duas horas no escritório só para embolsar a grana pelo trabalho fictício. A festa é tanta que até durante o recesso uma bolada saiu dos cofres públicos para os servidores a título de pagamento adicional.

Horas extras e gratificações de servidores custam R$ 10 milhões por mês. Hoje, o teto é de R$ 2,3 mil por mês, mas com a nova regra ,sup>(3)de 10 horas semanais, esse limite, em tese, poderá subir para cerca de R$ 3.500. Heráclito afirmou que o remédio definitivo para acabar com a bagunça da cobrança será a implementação do tão sonhado ponto eletrônico, que tem o potencial de gerar uma economia mensal de R$ 3,4 milhões. O servidor comprovará com o próprio polegar que está no gabinete, numa diretoria ou secretaria ou qualquer outro órgão do Senado trabalhando.

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), já disse que interesses corporativistas dos servidores prevaleceram e foram embutidas propostas de última hora sem autorização. A afirmação ocorreu depois de o Correio mostrar que a reforma permitia que os servidores ganhassem um salário superior a R$ 25.275 mensais, o valor do vencimento de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), teto do funcionalismo público. Essa medida foi desenhada também para tratar a exceção como regra geral, existem cerca de 350 funcionários que ganhariam acima do máximo permitido pela lei.

Fortes afirmou que o texto definido pela comissão diretora não será o resultado final do projeto a ser votado pelo plenário e prometeu definir a especificidade das horas extras a partir da regulamentação administrativa. Mesmo assim, Heráclito está ressabiado com a sequência de medidas corporativistas que aparecem no texto para atender a interesses de determinadas turmas do Senado. Ele formou três comissões para analisar os pontos positivos e negativos da reforma que conta com 125 páginas. ¿E se eu não ficar satisfeito com a conclusão deles, vou pedir para uma quarta (comissão) fazer a análise¿, disse o senador.

1 - Polêmicas Colocar um jabuti é um jargão político usado à exaustão para se referir à inclusão de medidas que não tem nada a ver com o texto original, polêmicas que se ganharem destaque não são aprovadas ou para esconder interesses escusos de uma determinada classe. Vem do ditado: ¿Jabuti não sobe em árvore, se foi encontrado é porque alguém o colocou lá¿. Como quase tudo no mundo do parlamento, o termo é atribuído ao ex-deputado Ulisses Guimarães (PMDB), morto em 1992.

2 - Adicional O artigo 68 está escrito da seguinte forma: ¿O pagamento de adicional por serviço extraordinário, qualquer que seja a duração da jornada, somente se dará após a 8ª hora diária, até o limite de 50 horas trabalhadas na semana e observado o limite financeiro definido pela Comissão Diretora¿.

3 - Votações O servidor não pode ganhar por dia mais do que 50% do valor de seu salário em hora extra. Quando ele trabalhar num domingo, o valor é de 100%. Na madrugada, como acontece em diversas votações mais complicadas, o funcionário tem um acréscimo de 25%.

Análise da notícia O jogo dos enganos

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), afirmou na sexta-feira que vai retirar do texto da reforma administrativa a permissão para que servidores efetivos extrapolassem o teto constitucional, se recebessem as horas extras. Após a revelação do Correio, o anúncio veio em boa hora ¿ e mostra a disposição do Senado em sair da grave crise por que passou ao longo do ano.

A Casa, entretanto, tem mais de 10% dos seus 3,4 mil servidores recebendo salários acima dos R$ 25.275, o subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Só que, desde 2005, os servidores podem, sim, ganhar mais que o teto do funcionalismo. Um parecer da Advocacia-Geral da Casa, chancelado pela comissão diretora à época presidida por Renan Calheiros (PMDB-AL), permite que os efetivos ganhem acima da barreira com as funções comissionadas.

Como não houve qualquer nova interpretação do Senado, vale a bondade de 2005 ¿ o que garante a eles um bônus de até R$ 2,4 mil. O Ministério Público Federal em Brasília, que investiga o fura-teto, discorda dessa interpretação. Será que Sarney e a atual Mesa Diretora vão mexer nesse vespeiro? (RB)