Título: Contra o relógio
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 04/11/2009, Brasil, p. 8

Dividido entre o crescimento econômico e a definição de metas ambientais, governo não consegue fechar propostas para a COP-15. Impasse prejudica papel de liderança do Brasil nas discussões internacionais sobre o aquecimento global

Lula, em reunião com ministros: indefinições e liderança nas discussões internacionais afetada

O Brasil corre o risco de chegar à Dinamarca para participar da Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), em dezembro, sem metas específicas para reduzir a emissão de gases que causam o efeito estufa. As dificuldades na elaboração de um programa esbarram em obstáculos que vão desde a votação de projetos no Congresso à queda de braço entre ambientalistas e o setor produtivo. Mas essas dificuldades se devem, especialmente, aos embates dentro do próprio governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se vê em um dilema. Ao mesmo tempo em que não mede esforços para alavancar a candidatura da ministra Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto em 2010 apoiando parte de sua estratégia no desenvolvimento econômico, ele precisa levantar a bandeira da conservação do meio ambiente. E nessa equação que junta incremento econômico e metas ambientais consideradas ambiciosas, a conta não está se fechando. Na tentativa de costurar um discurso harmonizando essas vertentes, Lula enviará Dilma Rousseff à Dinamarca. Até lá, o que não faltará são discussões.

Lula avisou ontem que, em duas semanas, baterá o martelo sobre as propostas que serão levadas a Copenhague. Nesse meio tempo, o país perde prestígio por ser incapaz de assumir a liderança nas discussões ambientais, como esperavam algumas entidades internacionais. E vê as nações africanas demonstrarem uma vontade política que, na visão de muitos especialistas, falta às autoridades brasileiras. ¿O Brasil perdeu a oportunidade de mostrar liderança¿, disse ontem o superintendente de uma organização ambientalista, referindo-se ao fracasso em se definir as metas brasileiras.

Mais um fracasso na conta

Danielle Santos

A reunião de ontem entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva com nove ministros, em Brasília, terminou sem consenso sobre metas específicas para a redução de gases causadores do efeito estufa. Essas metas serão levadas à Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), no próximo mês, na Dinamarca. Lula estipulou 14 de novembro como data-limite para divulgar a proposta que será apresentada em Copenhague.

A pedido da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff ¿ preocupada em não comprometer o crescimento econômico brasileiro ¿, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, reviu suas propostas, levando-se em consideração um cenário de incremento do Produto Interno Bruto (PIB) entre 5% e 6% anuais. Anteriormente, Minc trabalhava com percentuais entre 4% e 5%. Na prática, esse novo contexto levará Minc a refletir sobre os projetos que visam, até 2020, reduzir em 40% as emissões brasileiras de CO2 na atmosfera e diminuir em 80% o desmatamento na Amazônia. A meta para atenuar a devastação na Amazônia já é consenso entre o governo, mas a questão dos gases tem gerado muita discussão.

A investida da área econômica, chefiada pela ministra, teve respaldo do Itamaraty, que também diverge dos percentuais defendidos por Minc no que tange à emissão de CO2. Uma das preocupações do Itamaraty é não criar uma saia-justa com parceiros comerciais de peso, como Índia e China, grandes poluidores globais. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, não quer constranger outros países em desenvolvimento que não têm planos razoáveis para reduzir seus níveis de poluição.

O governo prepara uma série de medidas que causarão impacto nas áreas siderúrgica e agrocupecuária. Apesar de não se saber exatamente como as ações serão implantadas, discute-se a concessão de incentivos fiscais ou financeiros para a substituição do uso do carvão mineral pelo vegetal; a criação de programas de manejo de agricultura e pecuária integrada; o incremento do plantio direto e a recuperação de áreas degradadas.

Repercussão O fracasso da reunião de ontem entre Lula e seus ministros desapontou algumas organizações não governamentais que participaram, em Barcelona, Espanha, da reunião preparatória para a COP-15. ¿O Brasil perdeu a oportunidade de mostrar o que os africanos (veja matéria ao lado) estão mostrando: vontade política. Perdeu a oportunidade de mostrar liderança¿, avaliou o superintendente de Conservação do WWW-Brasil, Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza.

Já o representante da ONG Vitae Civillis, Gaines Campbell, diz que o mundo aguardava com ansiedade o posicionamento do Brasil. ¿O país perdeu o momento e isso não dá para recuperar.¿

O número 80% Meta de redução no desmatamento da Amazônia até 2020

África peita inércia

Paloma Oliveto

Barcelona ¿ No segundo dia da reunião preparatória para a Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), que ocorrerá em dezembro, na Dinamarca, o grupo das nações africanas liderou as atenções ao anunciar que se retiraria das discussões. A decisão foi um protesto contra os países desenvolvidos que, até agora, não anunciaram metas ambiciosas para redução das emissões de carbono na atmosfera. Durante o dia, o clima no encontro foi de apreensão, mas o gesto acabou dando certo. À noite, quando muitos delegados já haviam ido embora, o bloco dos países desenvolvidos entrou em acordo com os africanos. A expectativa é que, hoje, 60% do tempo das reuniões seja voltado exclusivamente ao debate sobre as metas numéricas.

Por enquanto, o índice negociado nas mesas de discussão varia entre 16% e 23% para 2020, tendo 1990 como ano base e sem incluir os Estados Unidos, que se recusam a traçar metas mensuráveis. Os africanos acham pouco e querem, no mínimo, 40%, taxa também defendida por relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês).

O protesto do bloco africano, formado por cerca de 50 países, foi motivado pela falta de empenho, segundo os negociadores do grupo, por parte das nações industrializadas. ¿A África acredita que os outros grupos não estão levando as discussões a sério e nem com a urgência necessária¿, justificou, em coletiva de imprensa, o representante da delegação da República Democrática do Congo, Kabeya Tshikuku.

¿As pessoas estão morrendo enquanto aqueles que são historicamente responsáveis não querem prestar atenção¿, argumentou o chefe da delegação argelina, Kamel Djemouai. Ele se refere ao fato de que os países mais industrializados são os principais emissores de dióxido de carbono na atmosfera. De acordo com as Nações Unidas, a África é uma das regiões mais afetadas pelo aquecimento global e, em 2020, até 250 milhões de moradores do continente poderão ficar sem água.

A repórter viajou a convite da organização da COP-15

Para saber mais Retrocesso em debate

Enquanto o governo tenta chegar a um acordo sobre um Plano de Mudanças Climáticas, a Comissão de Meio Ambiente da Câmara tenta votar, hoje, o projeto que altera o Código Florestal Brasileiro, que prevê, por exemplo, a redução de áreas especiais, como topos de morro, encostas e beiras de rios. O projeto, que conta com o apoio da bancada ruralista, facilita a situação de agricultores em situação irregular.

A mudança na legislação ambiental é bastante criticada por parlamentares ambientalistas. Eles defendem que a nova norma representaria um retrocesso, principalmente em um momento em que o país defende ações mais ousadas no que diz respeito à defesa das áreas protegidas para frear o aquecimento global. ¿Essa é uma tentativa clara de minimizar o que já temos de avanço nessa área. Será um atraso para o meio ambiente¿, aponta o deputado Ivan Valente (PSol-SP).

O alerta também foi dado ontem em forma de uma carta aberta assinada por 14 ONGs ambientais. Segundo as entidades, a aprovação do texto, da forma com está, contraria a política do governo, que vem intensificando as punições aos desmatamentos ilegais. ¿O projeto é basicamente ruralista e ainda premia aqueles produtores que já destruíram ilegalmente, como no caso da Amazônia, por exemplo, que já teve 34 milhões de hectares devastados nessa situação¿, frisa o representante do Instituto Socioambiental, Raul do Valle. (DS)