Título: Precatórios dividem o STF
Autor: D'Elia, Mirella
Fonte: Correio Braziliense, 05/11/2009, Política, p. 8
Emenda que dilata prazos para pagamento de dívidas do governo, aprovada ontem na Câmara, gera entendimentos divergentes
Para Ricardo Lewandowski, análise minuciosa é importante porque ¿o remédio pode matar o paciente¿
AA falta de dinheiro em caixa, principal justificativa de governantes para não honrar o pagamento de precatórios (dívidas impostas à administração pública por decisões judiciais sem direito a recurso), tem a simpatia de parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). E vai ser um ponto favorável aos defensores da proposta de emenda à Constituição (PEC)(1) que estica o prazo para o pagamento das dívidas ¿ estimadas em R$ 100 bilhões ¿ aprovada ontem em primeiro turno na Câmara sem alterações significativas em relação ao texto da comissão especial elaborada para analisar o tema. A PEC ainda tem de passar por uma segunda votação no plenário da Câmara e voltar para o Senado antes de entrar em vigor.
A expectativa é que, diante das reações à matéria, a discussão termine na Suprema Corte. A Ordem dos Advogados do Brasil ameaça entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a emenda. ¿Passou em primeiro turno o maior ataque ao Estado democrático de direito. Governadores e prefeitos ficarão livres para dilapidar o patrimônio do cidadão, violar direitos e efetuar chantagem política¿, afirmou Cezar Britto, presidente do Conselho Federal da OAB, após a votação na Câmara.
Jurisprudência firmada pelo STF diz que só pode haver intervenção federal em um estado que deve precatórios quando o administrador, mesmo podendo pagar a dívida, não o faz. O tribunal já negou inúmeros pedidos de intervenção, sobretudo em São Paulo, por causa disso. Em uma das ações, analisada em 2003, a maioria dos ministros entendeu que não era caso de intervenção ¿ se o governo pagasse, serviços públicos essenciais poderiam ser prejudicados.
Dos ministros que votaram dessa forma, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ellen Gracie permanecem no Supremo. Apenas Marco Aurélio Mello, que presidia o STF à época, aceitou o pedido de intervenção. Ele argumentou que a falta de dinheiro não pode ser desculpa para deixar de pagar a dívida. ¿O Estado vê-se sempre diante de dificuldades de caixa, sendo presumível, assim, a contumácia no descumprimento de obrigações pecuniárias¿, disse.
Intervenção ¿No caso dos precatórios, o Poder Judiciário tem sido cuidadoso na intervenção federal porque este é um remédio que pode matar o paciente¿, comentou Ricardo Lewandowski. Nomeado em 2006, ele não participou das discussões anteriores, mas é um estudioso do assunto. Na avaliação dele, a PEC é uma boa solução para tentar pôr fim ao impasse.
Lewandowski argumenta que, apesar de haver necessidade do cumprimento das decisões judiciais, é preciso levar em conta que, muitas vezes, o valor final do precatório acaba aumentando devido aos juros, dificultando o pagamento. ¿Como obrigar o pagamento do precatório em detrimento do serviço público? Precisamos resolver essa questão¿.
Um dos pontos que devem ser questionados na Justiça é uma possível violação à garantia constitucional da duração ¿razoável¿ para que processos corram na Justiça. Há pessoas aguardando há décadas o pagamento de precatórios. A OAB, principal voz contrária à proposta, chegou a apelidá-la de ¿PEC do Calote¿.
1- Prioridade aos idosos O texto da PEC prevê que 50% dos recursos reservados aos precatórios serão destinados ao pagamento em ordem cronológica de apresentação. Débitos de natureza alimentícia de credores com idade acima de 60 anos ou portadores de doença grave terão prioridade. São aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez. A outra metade deverá ser destinada a credores que oferecerem maior desconto sobre o valor que têm a receber. Isso poderá ser feito por meio de leilões ou câmaras de conciliação, em que as partes negociam um acordo. Pelo texto, o pagamento da dívida poderá ser realizado em até 15 anos.