Título: Insatisfação geral
Autor: Oliveto, Paloma
Fonte: Correio Braziliense, 05/11/2009, Ciência, p. 38

Depois de protesto de africanos, delegação europeia presente no encontro preparatório para a conferência sobre aquecimento global da ONU lamenta falta de propostas concretas por parte dos países desenvolvidos

Barcelona ¿ Assim como o grupo africano, que na terça-feira ameaçou boicotar as negociações sobre o Protocolo de Kyoto, o bloco da União Europeia está insatisfeito com o posicionamento dos demais países desenvolvidos na última reunião informal antes da 15ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15). Em entrevista coletiva, integrantes das delegações europeias reclamaram da falta de planos concretos a respeito da redução das emissões de carbono na atmosfera e dos valores destinados ao fundo global que vai financiar a migração dos países em desenvolvimento para uma economia de baixo carbono.

Antes do pronunciamento dos delegados da União Europeia, o G-77 mais a China havia demonstrado preocupação de a cúpula de Copenhague terminar como um acordo de cavalheiros, deixando os assuntos mais importantes para serem acertados no ano que vem. ¿O resultado disso é que os países em desenvolvimento ficam condenados à destruição de suas economias, de suas florestas, de seus povos¿, lamentou Lummum Stanislaus Di-Aping, chefe da delegação do Senegal, que falou pelo G-77. ¿E nós não podemos aceitar isso como uma escolha para os países em desenvolvimento.¿

Di-Aping, porém, ressaltou que tem esperanças de que saiam metas ousadas, tanto de redução de carbono quanto de financiamento, do encontro na Dinamarca. ¿Nos países desenvolvidos, há pessoas que se importam com os outros¿, disse. Ele apelou para que as nações ricas mostrem sua liderança por meio de números satisfatórios.

Para Artur Runge-Metzer, negociador da União Europeia, ainda é possível recuperar o tempo perdido ¿ na terça-feira, com o protesto do bloco africano contra a inércia dos países desenvolvidos, não houve negociações formais do Protocolo de Kyoto. Mas ele concorda que as demais nações pertencentes ao bloco dos mais ricos estão demorando demais para colocar as cartas na mesa. ¿Antes de dizer que tipo de contribuições podemos oferecer, precisamos ver o pacote das outras partes¿, afirmou, referindo-se aos valores que cada país vai depositar no fundo global.

A União Europeia defende que os países desenvolvidos destinem 100 bilhões de euros por ano até 2020 para ajudar os demais a aderir à economia de baixo carbono. O dinheiro viria de três fontes: financiamento doméstico dos próprios países em desenvolvimento, expansão do mercado internacional de carbono e dinheiro público das nações desenvolvidas. ¿O bloco europeu estima que, com um acordo ambicioso, o mercado de carbono tem potencial para contribuir com até 38 bilhões de euros por ano¿, afirmou a União Europeia em comunicado distribuído à imprensa.

O bloco, porém, defende que o dinheiro obtido pelo mercado de carbono seja contado à parte do financiamento público, para obrigar os países desenvolvidos a contribuir de fato com o fundo, e não apenas com o dinheiro obtido pela compra dos créditos de carbono. Os organismos internacionais temem que a estratégia de pagar pelo direito de emitir mais CO2 na atmosfera prejudique as nações em desenvolvimento.

ONGs

As organizações não governamentais Greenpeace, WWF e Germanwatch se posicionaram ontem quanto ao mercado de carbono. ¿Um mercado bem desenhado pode desenvolver um papel importante no acordo de Copenhague, mas ele não é um fim em si mesmo. Metas fortes e níveis robustos de financiamento público são necessários, ainda que os países desenvolvidos estejam bloqueando esse processo¿, disse Kaisa Kosonen, representante do Greenpeace Internacional.

De acordo com Keith Allot, chefe da sessão de mudanças climáticas da WWF britânica, as nações mais ricas precisam se movimentar com mais pressa. ¿Os países industrializados estão sentados no trem discutindo a cor dos assentos, enquanto o mundo em desenvolvimento está mostrando que o trem ainda não saiu dos trilhos¿, afirmou. A declaração foi uma forma de apoio ao bloco dos africanos, que tomaram a iniciativa de protestar contra os mais ricos por achar que as metas apresentadas ¿ em torno de 20% de redução das emissões até 2020 ¿ são muito tímidas.

A dois dias do fim da reunião informal em Barcelona, os protestos de ambientalistas não param. A entidade Global Campaign for Climate Action, por exemplo, organizaram um protesto com dezenas de despertadores, uma maneira de lembrar aos líderes mundiais que há pouco tempo para uma ação concreta. Até profissionais da área de saúde protestaram. Médicos e enfermeiros fizeram uma placa contendo a ¿prescrição para um planeta saudável¿, na qual clamam para que os negociadores ajam com firmeza. ¿Com essa prescrição, todos os profissionais de saúde do mundo estão falando em uma só voz, insistindo que um acordo em Copenhague precisa proteger tanto o planeta quanto a saúde pública¿, disse Pendo Maro, representante da Health Care Without Harm, organização que participou do protesto.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as mudanças climáticas vão aumentar significativamente o número de mortes e doenças relacionadas ao calor, às enchentes e a deterioração da qualidade do ar. Além disso, vetores de doenças como cólera, malária e dengue podem proliferar, comprometendo o bem-estar de milhões de pessoas pelo mundo.

A repórter viajou a convite da organização da COP-15

Uso do solo afeta clima

Enquanto delegados de quase 200 países discutem, em Barcelona, formas de combater o aquecimento global, uma equipe de pesquisadores norte-americanos constatou que adaptações no solo podem ser uma boa arma contra as mudanças climáticas. A partir de imagens por satélite, eles descobriram o quanto a temperatura é afetada pelo uso da terra.

O estudo, que será publicado pelo Royal Meteorological Society\"s International Journal of Climatology, foi conduzido por cientistas das universidades de Purdue, Colorado e Maryland. Os pesquisadores verificaram que coberturas verdes ajudam a deixar a temperatura mais fria, enquanto o solo descoberto faz subir os graus do termômetro. Para Dev Niyogi, professor de ciências atmosféricas e agrônomas da Purdue University e um dos autores do estudo, o entendimento de como o uso do solo influencia nas mudanças climáticas pode trazer diversos benefícios, como a criação de espaços verdes e zonas de amortecimento de calor ao redor das áreas urbanas.

¿O que nós ressaltamos é que a tendência de aquecimento da temperatura pode ser parcialmente explicada pelas intervenções no uso do solo¿, diz Niyogi. Para o principal autor do estudo, Souleymane Fall, comparado às emissões de carbono na atmosfera, a relação entre aquecimento global e solo tem sido pouco estudada, mas ele observa que isso está começando a mudar. ¿As pessoas já percebem que a cobertura do solo também é um fator importante e não apenas numa escala local, mas regional¿, afirma. Fall está cursando doutorado em Purdue e sua tese tem como foco os impactos da superfície nas tendências de mudança de temperatura.

¿Acredito que o aquecimento causado pelos gases de efeito estufa é muito importante, mas o uso do solo não deveria ser negligenciado. Isso também contribui para o aquecimento, especialmente nas áreas urbanas e desérticas¿, alerta Eugenia Kalnay, professora da University of Maryland e coautora do estudo.

Juntamente com Ming Cai, ela desenvolveu a metodologia que permitiu, pela primeira vez, mostrar quantitativamente os efeitos da superfície na oscilação da temperatura. O método, chamado OMR, considerou dados estatísticos, observações do solo por satélite e medição da temperatura. As informações foram cruzadas por um programa de computador que possibilitou a visualização das constatações teóricas dos pesquisadores (veja imagem). (PO)

Brasil levará plano a Copenhague

O chefe da delegação brasileira no encontro de Barcelona, embaixador Luiz Alberto Figueiredo, afirmou que o Brasil vai apresentar um plano antes da reunião em Copenhague, apesar da reunião marcada para terça-feira ter sido adiada para o próximo dia 14. ¿O fato de o Brasil anunciar um conjunto de ações de redução de emissões antes de Copenhague reforça nossa capacidade de cobrar dos parceiros um nível alto de ambição na redução das emissões¿, afirmou.

Segundo Figueiredo, o Brasil espera que o encontro na Dinamarca termine em consonância com as recomendações do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). ¿O Brasil quer um resultado robusto, que respeite as recomendações da ciência, o que significa uma redução na faixa de 25% a 40% (das emissões). Quanto mais, melhor para o clima e para os países em desenvolvimento.¿

Ele reconhece que, para a opinião pública, a falta de metas significa um fracasso das negociações e garante que o Brasil não vai decepcionar. ¿O país fez uma escolha clara de não apostar no fracasso e, ao apresentar suas ações, vai contribuir para o êxito de Copenhague.¿ De acordo com o embaixador, a delegação espera que em Barcelona o texto de discussão seja consolidado de forma que ¿chegue a Copenhague como uma base sólida para a conclusão exitosa da conferência¿. (PO)

Para saber mais Por uma economia de baixo carbono

A 15ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), que será realizada no próximo mês, em Copenhague, é considerada crucial pela ONU. Em 2012, a primeira fase do Protocolo de Kyoto expira e será necessário um novo acordo mundial para garantir uma economia baseada em baixas emissões de carbono. Antes do evento, foram realizados encontros informais, sendo que o último termina nesta sexta-feira, em Barcelona.

Durante as reuniões, três questões principais são discutidas entre delegados de 192 países: estabelecimento de metas mensuráveis de redução das emissões de carbono, criação de um fundo global para ajudar as nações em desenvolvimento na transição para uma economia livre de carbono e a transferência de tecnologia para os mais pobres. Em Kyoto, ficou acordado que os países seriam divididos em dois grupos, sendo que o primeiro, formado pelas nações desenvolvidas, precisam se comprometer com metas de redução em médio e longo prazos. Já os países em desenvolvimento e os mais pobres não têm de traçar planos numéricos, embora precisem mostrar ao mundo como vão colaborar na corrida contra o aquecimento global.

Os Estados Unidos, maiores emissores de dióxido de carbono no mundo, não concordam com a fixação de uma meta, e o Congresso norte-americano ainda estuda as propostas que serão apresentadas em Copenhague. É certo, porém, que o país não vai se submeter a pressões internacionais. A postura dos EUA e das demais nações desenvolvidas tem irritado os demais blocos a ponto de os africanos ameaçarem se retirar das discussões, caso não fossem apresentadas metas mais ousadas. De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), para evitar o aumento da temperatura, seria necessário cortar entre 20% e 40% as emissões. Até agora, as propostas chegaram a, no máximo, 23%. (PO)