Título: Estados produtores dão sinais de guerra
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 06/11/2009, Política, p. 5

Temerosos de que potenciais prejuízos financeiros com o sistema de partilha se traduzam em perdas eleitorais, parlamentares capixabas e cariocas ameaçam tirar o apoio ao texto do relator na votação prevista para segunda

A votação do relatório mais polêmico do marco regulatório do pré-sal já está contaminada pelo processo eleitoral. A um ano do pleito, deputados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo não querem correr o risco de deixar para aqueles que desejam conquistar um primeiro mandato o discurso de que não defenderam os interesses de seus estados. Por isso, o clima da votação do texto que institui o sistema de partilha da produção na comissão especial, prevista para segunda-feira, será de guerra. Muitos congressistas já avisaram aos líderes dos respectivos partidos que, se o governo não der um extra aos estados produtores, será difícil manter o apoio ao texto do relator, o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN).

O texto de Eduardo Alves reduziu os valores dos royalties que cabem aos estados produtores e distribuiu esses recursos entre todas as unidades da federação (veja quadro). Na noite de quarta-feira, parte da bancada do PMDB e do PSC do Rio de Janeiro e do Espírito Santo tiveram uma dura reunião com Henrique, onde citaram os reflexos eleitorais a que estão submetidos caso votem a favor do relatório dele. Prometeram ¿morrer atirando¿, segundo relato de alguns dos presentes. O relator disse que não poderia mudar o parecer, mas aceitou adiar a votação para o dia 9, na esperança de que a volta do presidente Lula ao Brasil ajude a chegar a um acordo que permita a aprovação do relatório sem dissidências nem a necessidade de troca de parlamentares da base do governo na comissão especial.

Capixabas e cariocas concluíram nos seus cálculos que os 18% a que terão direitos dos 15% dos royalties são, na verdade, 2,7% do valor total. E, como o sistema de partilha acaba com a chamada participação especial ¿ que hoje é duas vezes maior do que a receita de royalties no caso do Rio ¿ seus deputados descobriram que o cofre ficará mais vazio do que eles esperavam no início. Em 2008, o Rio recebeu de royalties, segundo informações da Agência Nacional do Petróleo (ANP), R$ 2,2 bilhões. E de participação especial, R$ 4,4 bilhões. E, em se tratando de um estado cuja capital é a cidade-vitrine do Brasil e sede das Olimpíadas de 2016, os parlamentares consideram que não dá para abrir mão desses recursos.

A partir de segunda-feira, os estados produtores começam a luta pela manutenção do texto original do governo, que não altera a distribuição dos royalties, deixando o grosso dos recursos com os ¿estados e municípios produtores confrontantes¿, aqueles que ficam em frente à chamada ¿picanha azul¿ do pré-sal. Os integrantes da oposição já estão fechados com o voto contrário ao parecer de Henrique Alves: ¿Deputados do Rio e do Espírito Santo que tiverem consciência votam contra¿, conclama o deputado Luís Paulo Velozo Lucas, candidato a governador do Espírito Santo pelo PSDB. DEM e PPS também já decidiram votar contra o texto do relator.

Madrasta Como um último argumento na tentativa de convencer o presidente Lula a não reduzir os ganhos dos estados produtores, os deputados da base do governo têm dito em conversas reservadas que o governador paulista, José Serra, tem o estigma de ter tirado o ICMS do petróleo do Rio durante a Assembleia Constituinte de 1988. Dentro desse raciocínio, Dilma Rousseff, a poderosa ministra da Casa Civil e pré-candidata a presidente da República, corre o risco de ficar com a tarja de ¿madrasta dos royalties do Rio¿.

Se esse discurso pegar, avaliam os peemedebistas, Dilma perderá votos cariocas e não sabe se ganhará em outros estados, já que ninguém tem certeza hoje de quanto e nem quando haverá essa distribuição dos royalties do pré-sal no futuro. Ontem, os parlamentares só tinham uma certeza: a próxima segunda-feira vai ser quente na comissão especial.

Deputados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo que tiverem consciência votarão contra o relatório¿

Luís Paulo Velozo Lucas (PSDB), candidato ao governo do Espírito Santo

Distribuição dos royalties

COMO É HOJE

Alíquota do royalty é igual a 10% da produção no contrato de concessão. Desse total:

22,5% ficam com os estados produtores

22,5% são destinados aos municípios produtores

7,5% vão para os municípios afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás

7,5% constituem um fundo especial distribuído a estados e municípios

15% têm como destino o Ministério da Marinha

25% vão para o Ministério da Ciência e Tecnologia, para financiar programas de amparo à pesquisa científica aplicados à indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis

COMO FICA COM A INSTITUIÇÃO DO CONTRATO DE PARTILHA

Alíquota do royalty passa a ser igual a 15% da produção. Desse total:

18% seguem para os estados produtores

6% se destinam aos municípios produtores

2% ficam com os municípios afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural

22% compõem o fundo especial a ser distribuído entre todos os estados e o DF

22% vão para o fundo especial a ser distribuído entre os municípios

12% ficam com o Ministério da Marinha

15% se destinam ao Ministério da Ciência e Tecnologia para financiar programas de amparo à pesquisa científica aplicado à indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis

3% se destinam à constituição de um fundo especial a ser criado por lei para o desenvolvimento de ações e programas para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas

O QUE OS CARIOCAS E CAPIXABAS DESEJAM

Manter o mesmo valor que recebem hoje em royalties e, ainda, conseguir uma participação especial, recurso que não está previsto