Título: Longe da exuberância irracional
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 06/11/2009, Economia, p. 12

Fundamentos do país garantem investimentos de curto e longo prazo hoje. Para evitar bolha, Brasil precisa cuidar das regras econômicas e de sua infraestrutura, impedindo forte fuga de capital no futuro

Tivemos uma exuberância que foi racional. Justamente por não querer que ela se torne irracional é que tomamos algumas medidas¿

Queremos impedir um excesso de atração, uma fatal attraction, em relação ao Brasil. Queremos que venham os investimentos externos, mas sem que se criem bolhas¿ Guido Mantega, ministro da Fazenda

Em Londres, onde participou de um seminário sobre investimentos no Brasil, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o governo quer evitar uma excessiva valorização da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Por isso, instituiu a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 2% sobre a entrada de recursos estrangeiros no país para aplicar em bolsas, títulos públicos e renda fixa. Mantega recorreu a um termo cunhado pelo então presidente do Federal Reserve (Fed, o Banco Central norte-americano), Alan Greenspan, e a um filme de Hollywood para expressar o que pretende impedir: uma ¿exuberância irracional¿ na valorização dos ativos financeiros e uma ¿atração fatal¿ do dinheiro externo pelos bons rendimentos nacionais. Analistas afirmam que a situação está longe disso.

¿Tivemos uma exuberância que foi racional. Justamente por não querer que ela se torne irracional é que tomamos algumas medidas¿, disse o ministro, segundo a Agência Reuters. ¿Queremos impedir um excesso de atração, uma fatal attraction(1), em relação ao Brasil. Queremos que venham os investimentos externos e os IPOs (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês), mas sem que se criem bolhas.¿ Ele acredita que o fluxo global de capitais deve voltar ao equilíbrio quando o Fed aumentar os juros nos Estados Unidos e o excesso de dinheiro em circulação no mundo diminuir. Ainda assim, o Tesouro deve voltar a emitir títulos externos em reais.

Essa é uma das medidas em estudo para diminuir a entrada de dólares no país ¿ até outubro, entraram R$ 22,86 bilhões a mais do que saíram. Outra ideia é deixar as garantias necessárias para as compras de ações por estrangeiros fora do país. Na visão do economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, essas iniciativas são desnecessárias e inócuas. ¿Não estamos nem perto de uma exuberância irracional. A valorização do mercado de capitais está totalmente colada aos fundamentos da economia real. Não há nenhum exagero em vista¿, disse. O país está atraente porque equacionou a dívida externa, oferece pouco risco e boa rentabilidade, além de ter perspectiva de crescimento, por exemplo.

Na avaliação de Agostini, se a confiança nos destinos do país continuar aumentando, a Bovespa pode até passar dos atuais 64 mil pontos para 100 mil, sem que isso configure uma bolha. Para ele, a criação de travas ao capital externo não vai afetar a entrada de dinheiro e pode até mesmo jogar contra os interesses do Brasil, quando o mundo voltar a crescer a partir de 2011. ¿O efeito pode ser desastroso. Com várias restrições aqui e países desenvolvidos voltando a ficar atraentes, pode haver uma fuga de capitais do país¿, disse.

O estrategista-chefe do banco WestLB, Roberto Padovani, também duvida do surgimento de uma bolha no mercado. A Bovespa está até tendo valorizações acima do índice S&P 500, de Nova York, mas segue a tendência das grandes bolsas. ¿Não dá para falar a partir de que ponto se trata de uma exuberância irracional ou que o câmbio de equilíbrio é de R$ 2,12, como disse o Nelson Barbosa (secretário de Política Econômica). Nem recuperamos a pontuação da Bovespa pré-crise, então não dá para vislumbrar isso agora¿ afirmou. O ápice da bolsa foi em 19 de maio de 2008, com 73.700 pontos, antes da quebra do banco Lehman Brothers, que agravou a crise. O piso foi 29.700 pontos, em 27 de outubro, num momento de pânico.

Padovani não vê nenhum lado negativo em atrair capital da maneira que o Brasil está fazendo. ¿Na minha cabeça, só há coisas positivas nisso. É reflexo da confiança no país, torna o mercado de capitais mais dinâmico, permite o desenvolvimento de uma importante forma de financiamento das empresas¿, disse. Além disso, o câmbio não seria o elemento mais importante para determinar o desempenho das exportações. ¿O que traz competitividade para o produto nacional não é o câmbio. O que importa nessa equação é a infraestrutura, carga tributária baixa, marcos regulatórios claros, entre outras coisas.¿

No seminário londrino, promovido pelos jornais Financial Times e Valor Econômico, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não quis entrar na polêmica cambial, mas afirmou que o Brasil pode crescer até mais do que 5% em 2010. ¿Nem nós, brasileiros, temos plena dimensão do que está acontecendo no Brasil. É uma revolução silenciosa¿, disse a uma plateia de empresários.

1 - Atração fatal O ministro Guido Mantega se referiu ao filme Atração fatal, de 1987. Nele, o advogado Dan Gallagher (Michael Douglas) tem um caso passageiro com a executiva Alex Forrest (Glenn Close), num fim de semana em que sua mulher está viajando. Com a volta da esposa, Gallagher quer se livrar de Alex, que não aceita ser usada e descartada prontamente. Enfurecida, ela começa a perseguir o amante por toda parte. Numa cena famosa, tenta matá-lo com uma enorme faca. Noutra, cozinha o coelho da filha do casal numa panela. A película passou a configurar o pesadelo de todo marido infiel. (RA)

QUINTO DO MUNDO SÓ EM 2026 A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pré-candidata à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010, se permitiu ontem, em Londres, ser mais otimista do que as previsões da revista britânica The Economist, que projetou o Brasil como quinta potência mundial em 2026, segundo o critério do Produto Interno Bruto (PIB) medido pelo poder de compra. Pelo método, elimina-se o efeito cambial e mede-se a quantidade de bens e serviços que uma pessoa consegue comprar com seu salário. De acordo com as estimativas da publicação, o Brasil, hoje o nono do ranking, pularia para o sétimo em 2011 e quinto somente 15 anos depois. Mas Dilma acredita que o quinto lugar chegaria mais cedo, já em 2016, graças ao êxito da produção industrial e agrícola do país combinado com a redução da pobreza e desigualdade de renda. Para ministra, o crescimento acelerado será garantido ainda pela expansão do mercado interno e aumento da oferta de crédito adotados pela política econômica em curso.

Memória A profecia de Alan Greenspan

Nos anos 1990, várias empresas com base tecnológica e ligadas à internet prosperaram nos Estados Unidos. Objetos de desejo dos especuladores, suas ações eram negociadas com valorizações exorbitantes. A Bolsa de Nova York chegou a superar o recorde de 6 mil pontos. Em 1996, preocupado, o então presidente do Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA), Alan Greenspan, tocou no assunto num depoimento no Congresso. Para ele, o que estava ocorrendo era uma ¿exuberância irracional¿, pois o aumento dos preços dos ativos não tinha nenhuma correspondência com o desempenho real das firmas.

Greenspan alertou que a conta seria paga no futuro. No ano seguinte, prejuízos seguidos das empresas ponto-com assustaram os especuladores, que correram para se livrar de seus papéis. A bolha tecnológica estourou e muitas companhias viraram pó. O presidente do Fed ganhou ainda mais prestígio como guru das finanças. Seus críticos afirmam que, no caso da valorização imobiliária, o mesmo ocorreu, mas Greenspan não fez nada para colocar os bancos na linha. Essa bolha também explodiu, causando a crise internacional que o mundo enfrenta hoje. (RA)

Potência agrícola

O jornal britânico Financial Times chamou o Brasil, em sua edição de ontem, de ¿superpotência agrícola pronta para alimentar o mundo¿. Lembrando que o país foi um dos que se saiu melhor na recessão, e que muitos de seus setores não foram sequer afetados, o periódico afirma que se o Brasil mantiver o rumo de sua política econômica e social e se não houver outra grande recessão no mundo, o mais provável é que continue no caminho do crescimento, apresentando uma série de oportunidades de investimento em diferentes setores.

O Brasil justificou a fama de celeiro do mundo. A safra 2009/10 de soja foi estimada em um recorde entre 62,5 milhões e 63,6 milhões de toneladas, de acordo com a segunda projeção da safra para o novo ciclo divulgada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Na previsão anterior, a Conab havia calculado a nova safra de soja em até 63,27 milhões de toneladas. Em 2008/09, o país produziu 57,09 milhões de toneladas. Se confirmada a previsão, a safra da oleaginosa será recorde, já que vai superar os 60 milhões de toneladas registrados em 2007/08. A produtividade do grão em 2009/10 foi estimada em 2.796 quilos por hectare.

Entre as cinco principais culturas analisadas pela Conab (algodão, arroz, feijão 1ª safra, milho de 1ª safra e soja), apenas a soja apresenta um crescimento na área a ser plantada. Segundo a entidade, isso se deve ao menor custo por hectare e a uma maior liquidez, além da expectativa de rentabilidade positiva apesar de menor que na safra anterior e aos baixos preços do milho e do algodão.