Título: Novas medidas para conter alta do real
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 06/11/2009, Economia, p. 13

Governo deve permitir que Tesouro passe a comprar dólares no mercado para pagar dívida externa. Por outro lado, pode isentar lançamento de ações da taxação de 2%

O Ministério da Fazenda decidiu se antecipar às mudanças na legislação que está sendo estudada pelo Banco Central e deve anunciar, em breve, novas medidas para conter o forte processo de valorização do real frente ao dólar ¿ ontem, a moeda americana voltou a cair 0,46%, cotada a R$ 1,742. Em dois pontos já há consenso. O primeiro dará liberdade ao Tesouro Nacional para comprar, antecipadamente e sem limite de prazo, dólares no mercado para o pagamento de dívida externa. Hoje, a aquisição só pode ser feita antecipadamente para débitos com vencimento em até 360 dias. A tendência é de essa medida ser estendida a empresas do setor privado.

O segundo ponto também envolve o Tesouro. O governo quer retomar a emissão de títulos da dívida pública em reais. Os papéis serão vendidos no mercado internacional e o dinheiro captado não, necessariamente, terá que entrar no Brasil. O último lançamento de papéis corrigidos em reais pelo Tesouro foi feito em 2007, quando o mundo sequer discutia a possibilidade de uma crise mundial. Pelos cálculos do governo, há, hoje, um estoque de R$ 10,2 bilhões em títulos em reais, o correspondente a 13% da dívida externa pública. ¿São medidas muito boas, que representam o avanço, pois não são intervencionistas, como o IOF cobrado dos investidores estrangeiros em bolsa e em renda fixa¿, disse o economista-chefe do Banco Schahin, Sílvio Campos Neto.

Há, ainda, a possibilidade de o Fundo Soberano do Brasil (FSB), criado no ano passado, ser autorizado a comprar dólares no mercado, em operações complementares às do Banco Central. O fundo tem hoje patrimônio de R$ 16 bilhões. Apesar de contar com o aval do ministro da Fazenda, Guido Mantega, a medida não é bem-vista no BC. Os técnicos do banco alegam que as operações do fundo injetariam um volume adicional de reais no mercado, que teria que enxugar por meio da venda de títulos públicos. O BC também não quer abrir mão da exclusividade das compras. Neste ano, já arrematou US$ 21 bilhões.

Fundos

A despeito das medidas emergenciais para conter o excessivo movimento de valorização do real, como foi a criação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 2% sobre o capital estrangeiro, a intenção do governo, liderada pelo presidente do BC, Henrique Meirelles, é fazer uma ampla liberalização do mercado de câmbio. Já estão na mesa de debates a autorização para que os fundos de investimentos possam destinar até 10% dos R$ 1,3 trilhão em patrimônio para aplicações no exterior, a liberdade para os bancos comprarem ativos financeiros fora do país e a permissão para que os brasileiros possam ter contas em dólares. ¿Quanto mais desregulamentação houver no aparato cambial, melhor será para o país¿, afirmou o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa.

Os economistas chamaram ainda a atenção para a proposta feita pela BM&FBovespa ao Ministério da Fazenda, para que possa transferir para o exterior cerca de R$ 8 bilhões que os estrangeiros têm depositado na bolsa como garantia de operações nos mercados futuro e de opções. Também é grande a torcida para que o BC autorize os bancos a emitirem debêntures, títulos de longo prazo, para captar recursos que serão destinados, principalmente, ao crédito consignado. Hoje, a maior parte dos empréstimos com desconto em folha é bancada por dinheiro tomado no exterior, onde os juros são menores.

CALOTE DERRUBA LUCRO DA CAIXA EM 38% A determinação do governo para que a Caixa Econômica Federal pisasse fundo no acelerador do crédito custou caro ao banco. De janeiro a setembro deste ano, a instituição foi obrigada a provisionar R$ 2,530 bilhões para cobertura de créditos de difícil liquidação, ou seja, com risco de calote. Esse volume é 77% maior do que o registrado no mesmo período de 2008, quando as provisões somaram R$ 1,428 bilhão. Com isso, o lucro líquido da Caixa nos nove primeiros meses do ano desabou 37,91% em relação a igual período do ano passado. O ganho da instituição neste ano totalizou R$ 2,027 bilhões, contra R$ 3,265 bilhões de janeiro a setembro de 2008. No terceiro trimestre de 2009, a Caixa lucrou R$ 870 milhões. (VN)

O número Moeda R$ 10,2 bilhões Estoque de títulos em reais correspondente a 13% da dívida externa pública

Exceção na cobrança do IOF

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, sinalizou aos agentes de mercado a possibilidade de isentar os investidores estrangeiros do pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 2% nos lançamentos de ações (IPOs, na sigla em inglês). De início, Mantega se mostrou resistente ao pedido do presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, mas foi convencido por empresários de que o dinheiro captado por meio dessas emissões é fundamental para a retomada dos investimentos produtivos. A quinta-feira foi positiva no mercado financeiro. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) subiu 1,4% ontem, influenciada pela alta de 2% na Bolsa de Nova York. O principal motivo foi o crescimento da atividade industrial nos EUA, onde também houve queda no número de pedidos de seguro-desemprego.(VN)

Na mesa de decisão

O que a área econômica estuda para conter a entrada de dólares no país

Compra antecipada de dólares: o Tesouro Nacional poderá adquirir, sem limite de tempo, a moeda americana para pagar dívidas com vencimento além de um ano. Hoje, as compras antecipadas se limitam a pagamentos de débitos vencendo em, no máximo, 360 dias. A medida deve ser estendida ao setor privado

Emissão em reais: o Tesouro Nacional retomará a emissão de títulos da dívida externa em reais para venda no mercado internacional. A última emissão desses papéis ocorreu em 2007

Fundo Soberano: o Ministério da Fazenda quer que esse fundo também possa comprar dólares no mercado, o que seria um complemento às ações do Banco Central

Fundos de investimentos: há a possibilidade de que os fundos possam aplicar até 10% do seu patrimônio em ativos no exterior. Esses fundos detêm R$ 1,3 trilhão em ativos

Bancos: as instituições financeiras nacionais poderão aplicar no exterior. Mas isso exigirá um controle de risco maior por parte do Banco Central, para que os bancos não se metam em aventuras, como os subprimes, dívidas de péssima qualidade que originaram a atual crise mundial

Debêntures: o Banco Central deve autorizar os bancos a emitirem debêntures, títulos de longo prazo, para financiar o crédito consignado. Hoje, grande parte dessas operações é bancada com recursos captados por instituições no exterior

Garantias das bolsas: representantes do mercado propuseram ao Ministério da Fazenda transferir para o exterior cerca de R$ 8 bilhões que os estrangeiros são obrigados a depositar como garantias para suas operações na BM&FBovespa

Contas de pessoas físicas em dólar: é vista como a última etapa do processo de modernização da lei cambial, que está sendo feita pelo Banco Central. Os brasileiros poderiam ter contas em dólar no país

O QUE JÁ FOI FEITO

IOF de 2%: em 19 de outubro, o Ministério da Fazenda taxou o ingresso de investimentos estrangeiros destinados às bolsas de valores e à renda fixa (títulos públicos, principalmente)

Fundos de pensão: o Conselho Monetário Nacional autorizou às fundações de previdência complementar aplicarem até 10% de seu patrimônio no exterior

Fundos exclusivos: destinados a clientes com mais de R$ 1 milhão, esses fundos podem aplicar até 100% do patrimônio fora do país

Compras do BC: o Banco Central intensificou o processo de aquisição de dólares no mercado para tentar contar a alta do real. Neste ano, o BC já arrematou US$ 21 bilhões, destinados às reservas internacionais do país

Exportadores: as empresas podem deixar por até um ano no exterior 100% dos dólares recebidos de clientes de fora do país. É o que o mercado chama de cobertura cambial