Título: Sem garantia de devolução
Autor: Mendes, Karla
Fonte: Correio Braziliense, 06/11/2009, Economia, p. 15

Governo reconhece cobrança a mais nas contas de luz, mas não obrigará empresas a ressarcir consumidores

Hubner, diretor da Aneel, não reconhece que usuários desembolsaram recursos acima do previsto

O governo vai calcular o valor cobrado indevidamente nas contas de luz de milhões de consumidores nos últimos anos, mas não pode obrigar as concessionárias a fazer o ressarcimento. O levantamento do montante recolhido por erro de metodologia no cálculo dos reajustes das tarifas de energia elétrica (leia texto ao lado) será concluído pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 30 dias. A decisão foi anunciada em reunião conjunta entre a agência, o Ministério de Minas e Energia, o Ministério da Fazenda e os representantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das contas de luz.

O diretor-geral da Aneel, Nelson Huber, explicou que a agência fará o levantamento mostrando se os valores arrecadados pelas concessionárias estão acima ou abaixo do estipulado por lei. Todavia, fez questão de destacar que não houve erro da agência. ¿Devolver dinheiro para o consumidor é impossível¿, afirmou. Hubner ponderou que, caso haja algum ressarcimento, a compensação será feita por meio de menores índices de reajuste. ¿Do ponto de vista jurídico, não tem devolução. O consumidor não pagou a mais. Os reajustes foram feitos conforme as regras vigentes no país¿, ressaltou. O Tribunal de Contas da União (TCU) estima que o prejuízo é de R$ 1 bilhão ao ano. Caso esse erro tenha ocorrido desde o início da vigência dos contratos de concessão, o montante pode chegar a R$ 10 bilhões

O diretor se refere a uma portaria conjunta do Ministério de Minas e Energia e do Ministério da Fazenda, que estabelece a metodologia para aplicação do reajuste sobre a receita total dos 12 meses anteriores. Em 2007, a Aneel concluiu que o correto seria aplicar o reajuste sobre os 12 meses posteriores, para captar o aumento da demanda do mercado, mas segundo Hubner, as concessionárias não concordaram em fazer a correção naquela ocasião.

Para corrigir a distorção, a Aneel coloca em audiência pública, de hoje a 27 deste mês, proposta de alteração dos contratos de concessão de 64 distribuidoras. Contudo, tanto a inclusão de um aditivo aos contratos vigentes, como a devolução dos valores recolhidos a mais só se tornarão realidade se as empresas concordarem.

Hubner explicou que a Aneel não tem poder para forçar as distribuidoras a fazer nenhuma das duas coisas, já que os contratos não podem ser alterados unilateralmente. Ele ponderou, no entanto, que se houver uma decisão judicial, motivada por ações do Ministério Público ou entidades de defesa do consumidor, a ordem será cumprida.

Maria Inês Dolci, coordenadora da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste), critica a postura da agência. ¿O que estão querendo é tirar a responsabilidade dela porque o erro ocorreu em gestões passadas. Não existe isso e o consumidor tem que ser compensado. E essa compensação tem de sair antes do próximo reajuste¿, ressaltou. ¿Para o consumidor, a culpa é da agência, que é quem estabelece o reajuste¿, observou. Questionada se a Pro Teste ingressará com uma ação na Justiça, ela informou que aguardará a resposta da Aneel a um processo administrativo encaminhado ao órgão em 22 de outubro. Procuradas, as associações que representam as distribuidoras (Abrade), as concessionárias (ABCE) e os consumidores de energia (Anace) não se pronunciaram.

O número Rombo R$ 1 bilhão Estimativa de valor anual cobrado a mais dos usuários, segundo o TCU. No total, essa perda pode chegar a R$ 10 bilhões

Entenda o caso Prejuízo para cliente

O erro foi detectado no reajuste aplicado anualmente exceto no ano da revisão tarifária, que ocorre em intervalos de quatro anos para todas as distribuidoras. Ao aplicar o reajuste, a Aneel o faz sobre a receita total dos 12 meses anteriores. Em 2007, o órgão regulador concluiu que o correto seria aplicar o reajuste sobre a receita futura, e não sobre a do período anterior. Só assim o modelo captaria o aumento de demanda.

Sem a correção, o consumidor paga mais do que deve para a distribuidora custear os 11 encargos setoriais embutidos na tarifa, que financiam desde o programa federal para a baixa renda Luz para Todos à compra de combustível para as térmicas da Amazônia, por exemplo. A conta dos encargos é rateada entre as distribuidoras, que a repassam aos consumidores. Um dos problemas do modelo é que ele não captura o crescimento do mercado. Com isso, o recolhimento dos encargos do sistema elétrico fica maior do que o determinado pela Aneel e a diferença vai para o caixa das empresas.